domingo, 16 de agosto de 2009

A BOINA VERDE DO MEU PAI


Entrei no metrô desolado. Como me distraí assim a ponto de perdê-la? Por que não a preservei na minha cabeça de onde nunca deveria ter saído? Agora, já era noite e no retorno de Copacabana para Tijuca seriam muitas estações para que eu lamentasse a perda da boina verde do meu pai. Reavivei na memória todo o trajeto que fiz naquele dia ensolarado de verão (?) neste Rio de Janeiro de São Sebastião, de São Jorge, do Cristo Redentor, de Iemanjá e da baia de Todos os Santos .

Com clareza lembro-me ter saído do apartamento e ainda no elevador aproveitei o espelho para corrigir a queda de sua pequena aba na minha testa. É verdade!- suspirei. A cada dia me pareço mais com ele, o meu pai. A testa se projeta com a calvície que chega rápida e os meus olhos se apertam e ficam menores, como os dele, quando tento enxergar perto sem o uso dos óculos que corrigem a miopia e o astigmatismo.
A boina verde de meu pai era de uma verde escura cor de musgo e tecida a mão. Nos últimos anos de sua vida ele sempre pedia que a colocasse na sua cabeça antes de passearmos na pracinha para receber um pouco de sol nas primeiras horas do dia. Ele ja não enxergava e o passeio era numa cadeira de rodas. Eu puxava algumas conversas, mas quase não se interessava por qualquer delas. Entretanto, mesmo assim, eu percebia que aquele momento era muito precioso pra ele porque mantinha na sua boca pequena e de lábios finos um indisfarçável e permanente sorriso. Apenas não queria conversa. Quando algum transeunte o reconhecia e nos cumprimentava ele nem fazia questão de saber quem era e não esboçava qualquer esforço para lembrar de nomes porque pra ele não interessava mais ninguém além da sua esposa zelosa, seus filhos cuidadosos e alguns netos que lhe tinham muita atenção, respeito e algum carinho. Assim era o meu pai com sua boina verde que me deixou como herança junto com o seu relógio de prata de algibeira.
Ocorreu-me agora que a boina verde do meu pai era apenas uma boina verde. O carinho que tenho por ele e suas lembranças não dependem dela! A boina era a de meu pai e não era a minha boina e, independente dela, eu vou continuar envelhecendo e ficando cada vez mais parecido com ele.
PS: Será que a boina verde do meu pai ficou na cadeira do teatro no Forte de Copacabana quando assisti ao encontro de Corais? Se a boina verde do meu pai fosse um gato (animal) ela saberia voltar pra casa?

2 comentários:

  1. um belo trecho da memória, meu caro!

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  2. Salatiel,,

    Emocionante, tocante. Invade em fluxo e refluxo o absoluto encantamento da alma.

    Está aí expressa sua senbilidade gritante, seu coração gigante...

    Mas aquiete seu coração. A boina era apenas símbolo de um amor e de um vinculo eterno qua nada poderá dissolver.

    Viva ! Você é vida e lindamente lindo

    Abraço,

    Claude

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