sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

TUDO POR UM FILHO... "DOUTOR" - José Nilton Mariano Saraiva


Desde tempos imemoriais, principalmente no seio de famílias menos favorecidas do interiorzão brabo desse Brasil varonil, o desejo acalentado e inconteste de pais e mães sempre foi o de... “formar um filho doutor” (aqui entendido como o graduar-se em Medicina).

Para tanto, e evidentemente que sem entender da profundidade do tema, muitos pais implicitamente incorriam na famosa “escolha de Sofia” (aquele lance em que, literalmente, haveria de se “sacrificar” um ou mais dos rebentos, em favorecimento do “escolhido dos deuses” ou o “premiado”; no caso, por absoluta carência de recursos necessários à contemplação de mais de um).

E como à época vigia o conceito de que “onde come um, comem dez” e o tal “controle da natalidade” era uma miríade distante (assim como a televisão ainda não havia chegado pra entreter os velhos), o “fazer” filhos era a regra em uma família paupérrima, até mesmo objetivando uma futura e decisiva “ajuda” da meninada na labuta diária pela subsistência (excetuando-se, como explicitado antes e restou provado à posteriori, aquele a quem se destinaria o “olimpo”).

Mas aí, em muitas oportunidades, o próprio rebento “premiado”, depois de ralar muito e ser aprovado no mais concorrido dos vestibulares (Medicina), depois de seis anos de dedicação “full time”, depois de comer o pão que o diabo amassou, visando tornar realidade o sonho dos pais, não mais que de repente “descobre” não ter “vocação para a coisa” e que havia, sim, um meio mais fácil de “se fazer na vida”: o ingresso na “corrupta” atividade política.

Assim, e lamentavelmente (devido à carência de profissionais numa área ainda tão  prioritária) muitos dos que se formaram “Doutor” à custa do esforço sobre-humano dos pais, nunca fizeram um simples curativo, sequer manipularam uma seringa, jamais prescreveram qualquer medicação a algum paciente e, enfim, se mudaram de mala e cuia para o “eldorado” mafioso da política. E, para tanto, aí sim, passaram a usar e abusar da “patente de doutor” a fim de “abrir portas”.

Adstringindo-se à nossa praia (o Ceará) dos dias atuais, além de na capital e interior termos “doutores” no exercício do cargo de prefeito, sem que nunca tenham exercitado a “atividade-fim” da formação acadêmica, pululam nos parlamentos estaduais e federais um outro tanto que adotaram o mesmo “script”.

E assim, o sonho dos pais, acalentado durante anos e anos, jaz esquecido e deixado pra trás, por obra e graça dos encantos e da facilidade que a atividade política oferece de “se fazer na vida” rapidamente, mesmo que por métodos heterodoxos. Definitivamente, os tempos são outros.

Alfim, há que se destacar, sob pena de não o fazendo injustiçá-los, que os “vocacionados” para o mister, aqueles que realmente “vestiram a camisa” desde o ingresso na faculdade e até a pós-formatura, são, sim, dignos e merecedores de encômios e de reconhecimento público pelo verdadeiro “sacerdócio” no dia-a-dia de uma atividade estressante e sofrida. Afinal, além de não os frustrarem, se mantiveram fiéis ao sonho dos pais de um dia… “formar um filho doutor”.

Poderão, mais à frente, após passados na “casca do alho” de uma larga experiência no “laboratório da vida” (o exercício diário da Medicina, principalmente junto a comunidades carentes), ingressar na arena política objetivando melhorar a vida dos menos favorecidos, aos quais acompanharam “pari passu”, diuturnamente.