sexta-feira, 27 de julho de 2007

Eu e a Revolução (10 anos que Science resolveu voar)




Não sei se as revoluções têm características particulares. Algo que faça alguns de nós – por acaso ou mérito, tanto faz – sentirem que elas estão por vir. Sei lá. Uma evidência qualquer, uma sutil demonstração de que as coisas estão para mudar.
Mesmo quando mais novo, nunca fui o melhor dos sujeitos pra sacar que algo novo tava pintando. Acho que tem a ver com o fato de ser excessivamente crítico e carregar um outro tanto de descrença. Coisas de quem lê demais, quem sabe. Ou coisas de quem lê os livros errados.Era, como vários caras de minha idade, contrário a tudo. Lutava contra o que quer que fosse óbvio – uma obviedade numa época de equívocos e outras descobertas. Qualquer leve suspeita e caminhávamos resolutos na direção inversa. E lá íamos nós de cabelos longos, com camisas pretas num sol de rachar. Buscando um novo riff ou um novo som - mesmo que estes estivessem sido inventados lá nos setenta; contanto que fosse de fora. Isso causava um tipo de cegueira que carrego até hoje.
Naquela tarde a coisa não era lá muito promissora. Na verdade, o que me levou a ir até ali foi a mais pura preguiça. Um tipo de negligência em causa própria. O convite surgiu de um amigo, na casa do mesmo. A gente tentava decifrar uns solos do Hendrix – ou seria do Page? – enquanto rolava umas “outras ondas” naquela pequena sala de estar.
Ao menos havia o pôr-do-sol. Era bacana. Aliás, no Solar do Unhão, o sol era presença marcante. Não aquele tipo de sol chapado e cru. Tinha outras nuances, outras definições e cores. Estendido, gigante, imponente.
No anúncio recortado do jornal pelo meu amigo, o nome da banda nos fazia acreditar que era do estilo “regional” – entendam as aspas como algo que, na época, colocávamos no saco das coisas óbvias, comuns demais para nossos egos enfurecidos; nossa certeza de estarmos na contramão, num caminho certo. Alguns fios já estavam espalhados por onde seria o show. As pessoas, algumas pelo menos, pareciam ter as mesmas expectativas que nós dois. Mas era uma boa e preguiçosa tarde. E havia o sol, caso a coisa fosse excessivamente tediosa.
Quando a guitarra surgiu, toda suspeita de tédio, repetição ou obviedade desapareceu. Foi detonada, literalmente. O Chico, ele mesmo, com esse nome tão trivial, cantava coisas que até então eu não compreendia. Uns tambores enormes e pesados – estes com nomes menos triviais: alfaia - sacudiam e faziam ruir algumas velhas certezas. Elas quebravam, feito vidro vagabundo.
A gente se divertiu. Alguns que, assim como nós, chegaram desconfiados demais, curtiam e dançavam do jeito que lhes parecia melhor: o corpo respondendo ao som pesado, as surradas camisas pretas encharcadas de suor.
Era uma mudança. Que nos fez alterar o rumo das coisas. Fazer outras escolhas, ouvir outros sons; acertar nos livros e nos discos; sermos um pouco nós mesmos.
O nome é revolução. Mas você pode chamar também de Manguebit .
texto publicado também no overmundo

3 comentários:

  1. Valeu Gustavo!
    Suas memórias são valiosas.
    Um grande abraço,
    Salatiel

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  2. Francisco de Assis França, esse é o cara. Nação zumbi. Da Lama ao caos. Afrociberdelia. O que será isso? Deve ser coisa de genio. Hip Hop.Já vem de lá. Movimento mangue beat. Caranguejos com Cérebro. É isso mesmo.

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  3. Muito bonito o texto. O Chico , como todos poetas, conseguiu nos mostrar arestas e ângulos da vida que não percebíamos. Foi um cometa de passagem fu(ll)gaz e fugidia, mas como brilhou !

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