quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Artes do destino

Emerson Monteiro

Por vezes, admitir alguns acontecimentos quais coisa normal exige do freguês sobra de memória e um tanto de resignação, em face dos caprichos ocasionais das tramas do destino. Às vezes, parecem brincadeiras, nos cordões misteriosos dos estádios desta vida. De propósito, observemos a história que vou contar.
Eles, os dois, seguiam sacudidos no espaço estreito da ambulância disparada pelas ruas da Capital paulista. Deles, um dementado apanhado nas calçadas fervilhantes da cidade, causando preocupação nos outros, das aprerriações que causava, tipo do que causam os doidos quando deixados vagando ao prumo da própria sorte. Chamaram o socorro, deram a localização do homem que desformulara os pensamentos; e, de inopino, chegou o camburão branco e o levou rumo do hospício.
Aconteceu que, no caminho, atravessou mensagem na linha da comunicação que operário caíra de um andaime ali por perto. Mais que ligeiro, os ambulantes aproveitaram o carreto e incluíram o corpo desfalecido daquele bóia-fria na viagem providencial.
No vexame de chegar, misturaram aflição com recepção, e os plantonistas confundiram o doido, que dormia sob as malhas do sossega-leão que recebera, com o assalariado machucado na queda.
Na pressa daquilo tudo reunido a um só tempo, acharam de encaminhar o primeiro, o doido, à sala de cirurgia para intervenção de emergência, enquanto ao operário destinaram-no ao setor de psiquiatria de outra instituição, a fim dos cuidados regulamentares.
Passado o “frisson” inicial, lá pelas tantas, que ocorreu: O demente, por infelicidade, sobrara sem vida, após o procedimento cirúrgico. Não resistira aos traumas provenientes da tentativa de cura.
O operário do andaime, por sua vez, restrito que ficara nas muralhas circunscritas dos psíquicos patológicos, ali permaneceu preso a qualquer custo. Segundo o “blog” de Ancelmo Góis, em O Globo on-line, desde uma nota enviada por Ana Cláudia Guimarães, em 16 de setembro de 2007, “o operário já chegou ao hospital psiquiátrico dizendo: ‘Sou Antônio, não sou Joaquim, não sou o louco’. Recebeu camisa de força reforçada.,” assim mesmo.
No seqüenciado, chamada ao hospital para levar roupas e calçados e enterrar o morto, a mulher do operário viu que não se tratava de Antônio, o chefe da sua família, e avisou isto aos profissionais da área. Nesse instante, o doido, Joaquim, já havia sido encomendado com as roupas de Antônio, o operário trancado na outra repartição.
Livre que foi no dia posterior, Antônio tratou de retornar ao batente. Nisso descobriu que perdera o emprego para outro bóia-fria, e, o que doía mais, motivo da dispensa: abandono de emprego. Recorreu à Justiça do Trabalho, em São Paulo, obtendo a reintegração.
Disse, ainda, quem transmitiu a história, que fora esta contada ao presidente da OAB nacional, Cezar Britto, pelo ministro nomeado para o Tribunal Superior do Trabalho, Pedro Paulo Teixeira Manus, que assume o cargo no dia 04 de outubro próximo. Um colega dele, da Justiça do Trabalho paulista, Aloísio Sampaio, foi o responsável pela ação que devolveu o emprego perdido ao operário.
Nos autos, o Juiz titular da causa confessou-se admirador com o desenrolar dos acontecimentos, acrescentando que, de posse da sentença favorável, que mandou, inclusive, pagar os dias ausentes do trabalho e outros direitos, o operário quis saber do magistrado quem cobriria os custos pelo terno e os sapatos que perdera, estimadas lembranças do seu casamento.

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