quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Fazendinha Planaltina



Na fazendola, as galinhas se mostraram bastante preocupadas com os últimos acontecimentos. Misteriosamente, vinham desaparecendo pintos e frangos sem que ninguém entendesse como se justificava a reiterada falta de penosas todo santo dia, quando o garnizé, à tardinha, fazia a chamada. Depois, também, os patinhos começaram a não mais aparecer, após o banho matinal no açude. Os capotes, embora mais ariscos, não demoraram a perceber que seus filhotes , também, passaram a rarear no terreiro. Até os gansos que possuem alarme de segurança, foram levados ao desespero quando não mais conseguiam, no fim do dia, reunir todos os gansinhos para a dormida. Não bastasse isto , qualquer deslize no ninho mostrava-se fatal, os ovos encubados eram tragados sofregamente por uma língua trelosa e sorrateira. Preocupados com aquele mistério, todos os bichos de pena da fazenda, resolveram fazer o I Congresso das Aves da Fazenda Planaltina, com fins de discutir a gravidade do assunto. Por mais de sete dias, o debate rolou acalorado e várias hipóteses foram levantadas, na tentativa de explicar o extravio de tantos e tantas avezinhas em tão curto espaço de tempo. O grupo mais organizado era justamente o das “Penosas da Roça de Alho” que reivindicavam medidas prontas para desvendar o desaparecimento de seus filhotes queridos. A hipótese mais aceita apontava como culpado o “Cassaco” que andava meio desconfiado nos últimos dias. Além disso, se descobriram evidências e provas do crime: um montão de penas de aves no quintal da sua casa e o aumento visível do seu peso nos últimos meses. Com o desdobrar das investigações se conseguiu um testemunha chave: a Doninha que havia namorado o Cassaco e inclusive tinha um filho dele. Separada, cabulosa,odiada por Dona Cassaca, ela informara : ele era o culpado e afirmava, categoricamente, ter presenciado ao menos um dos crimes : a comilança de três marrequinhos na parede do açude.
De posse de tantas informações, as aves resolveram contratar o papagaio como promotor e entraram com um processo contra o Cassaco justamente o acusando da morte dos três marrecos, crimes dos quais tinham uma testemunha ocular do ato perpetrado. O Supremo Tribunal dos Animais Planaltinos (STAP) a contragosto o processo. O Gavião foi convocado como relator. Os dias se passavam e nada de aparecer o Relatório final para votação. As aves começaram a pressionar e o gavião renunciou . Então o Leão, do alto de sua majestade, convocou o Carcará como novo relator. As aves novamente se revoltaram com mais uma demora. Não bastasse isto , havia desconfiança generalizada quanto à lisura dos trâmites legais, pois o Cassaco fazia parte da Mesa Diretora do Tribunal. Finalmente , depois de muitos e muitos meses, o Pleno resolveu se reunir para julgar o processo. As aves não tiveram acesso à votação secreta. Lá dentro o Leão presidiu o Tribunal do júri composto pelos ministros : a onça, o gato do mato, a raposa, o cachorro, o teju, o lobo, o gavião. O Carcará apresentou seu relatório inocentando totalmente o Cassaco por absoluta falta de provas. O papagaio pediu, data vênia, a condenação do réu, após invocar o testemunho ocular da Doninha. Após a votação secreta, o Cassaco foi julgado inocente por 7 a 0. As aves , em verdade, pelo andar da carruagem e pelo júri, não esperavam um resultado favorável. A sentença, no entanto, pronunciada solenemente pelo Leão, deixou todos estupefatos : Os três marrecos desaparecidos foram sentenciados, a revelia, à prisão perpétua e o papagaio sentenciado a dois anos de prisão, em regime fechado, devendo ser recolhido à casa do Cassaco que a partir daquele momento passou a ser seu fiel depositário. A Doninha, famosa, semana passada ganhou uma grana preta, posou nua para a revista masculina “ Play Boi”. As aves continuam ciscando sobre o próprio excremento e contando as baixas.


J. Flávio Vieira

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