sábado, 15 de setembro de 2007

Quando se atirava em diligências



Vocês são do tempo dos faroestes americanos? Todo filme caubói que merecia o nome tinha um duelo no final e uma seqüência em que os bandidos perseguiam a diligência para roubar o dinheiro do banco. Havia muita troca de tiros entre o mocinho e os assaltantes mascarados. Às vezes, para conter a fúria dos cavalos desembestados, o mocinho saltava sobre as parelhas de animais até chegar aos cavalos da frente. Com muito esforço o rapaz conseguia parar a diligência, quando ela já estava a ponto de despencar num abismo. Dentro do carro sempre havia uma jovem indefesa e uma velha senhora meio engraçada.
Bons tempos aqueles. Os meninos gritavam e batiam palmas para o caubói, que ao final casava com a mocinha ou partia à caça de outros bandidos. Ao som de uma música arrebatadora, o justiceiro desaparecia no horizonte infinito, montado no seu cavalo, até que restasse apenas uma leve poeira. Quando surgia o "the end" na tela grande, saíamos do cinema convencidos de que a justiça triunfara mais uma vez. Lá fora, o sol quente do nordeste brasileiro lembrava a soleira do oeste americano. Mas, afora o sol, o restante era bem diferente.

Um dos faroestes mais famosos se chamava "No tempo das diligências", nostalgia à chegada dos pioneiros que colonizaram o oeste dos Estados Unidos. Começavam a aparecer filmes com trem, batizado de cavalo de ferro pelos índios, esses personagens tão maltratados por colonizadores e cineastas americanos. As histórias de tiroteios e assaltos envolvendo o novo transporte se tornam mais mirabolantes e cheias de emoção. Os viajantes são pessoas ricas: criadores de gado, banqueiros e políticos.

Até dá para lembrar o trem que transportava nossos ministros das cidades e dos portos, num passeio pelo Rio de Janeiro. Vocês todos viram a cena, mostrada pela televisão. Não é nenhum filme dirigido por Anselmo Duarte ou Roberto Farias - lembram o clássico brasileiro "Assalto ao trem pagador"? O que foi mostrado na TV não é ficção, é o mais puro jornalismo, ou se preferirem, a dura realidade brasileira, o dia-a-dia, o feijão com farinha. Da janela do trem de passageiros, ao invés de divisarem pradarias e pastos de gado, jornalistas e ministros contemplavam nossas favelas, esses aglomerados urbanos cheios de gente à beira do extermínio, como as tribos indígenas americanas, do Velho Oeste.

Nos enredos dos faroestes, os bandidos atiram por algum motivo que o espectador compreende. Mas no filme do Rio de Janeiro, o script não ficou claro, ninguém soube por que atiraram da favela de Jacarezinho em alvos como ministros e jornalistas. O trem levava alguma caixa cheia de moedas de ouro? Os bandidos desejavam se apossar do tesouro?

Aposto que havia pouca coisa de valor, além de câmeras fotográficas e filmadoras. Que os bandidos desejavam apenas desmoralizar nossas autoridades, medir força com elas, provar que eles têm poder e assustam. E tornar público um espetáculo vergonhoso e humilhante, o de ministros se atirando ao solo do vagão, com medo de serem alvejados. Pelo menos valeu para sentirem na pele como vivem as pessoas comuns, moradoras de favelas.

Ao ver o filme com os ministros mocinhos, não tive o velho sentimento de que a justiça triunfara. Senti-me mais uma vez derrotado. Mesmo quando mostraram a polícia invadindo a favela e matando uma pessoa que não era um dos bandidos.




Ronaldo Correia de Brito é médico e escritor. Escreveu Faca e Livro dos Homens. Assina coluna na revista Continente.
Artigo : Terra Magazine

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