segunda-feira, 1 de outubro de 2007

O Malecon e a derradeira esperança


ao som de Bruca Manigua

Mesmo num mundo em ruínas, boleros eram ouvidos das janelas com seus batentes podres. Bandeiras de uma pátria inexistente penduradas, resistindo bravamente ao vento de ciclones hostis. Velhos bêbados em franca algazarra.

Algo como uma alegria desesperada. Um amanhã que não existe. O vento implacável confirmando as suspeitas de fim do dias. E um ou outro senhor de bem confere se o barril tá cheio de rum, e se os charutos podem ser acesos apesar do ciclone que já começa a molhar as roupas penduradas nas cordas finas e frágeis, que tomam toda a avenida.

Nesta hora, as palmeiras alinhadas de frente ao pacífico já sacolejam. O mar se lança sobre velhos cadillacs enferrujados. Os chapéus voam e se perdem num infinito de confusas nuvens. Ainda há sorrisos, agora cada vez mais altos. As bandeiras resistem, mas não em nome de uma tal pátria – um nome vago agora -, mas porque assim foram criados os velhos e os jovens; os vivos e os mortos. Que nunca tiraram aquela palavra da cabeça. E aprenderam a viver assim.

O rum quase no final esmorece um pouco as coisas. Cadeiras são lançadas sobre o asfalto escorregadio. Algumas paredes desabam. E os antigos casarões vão ao chão, se desmontando feitos castelos de areia. O riso começa a ficar escasso, já que o bolero, antes ensurdecedor, não embala mais aqueles corações. Não há eletricidade, os postes vacilam. A ventania permanece furiosa e imbatível, tudo se ergue, voa e desaba. Os poucos que insistem – aferrados aos seus chapéus panamá e seus charutos - começam a se levantar. E pensam em desistir finalmente. Depois de tanto tempo, já era hora da entregar os pontos.

Então o milagre acontece: em meio às cadeiras, roupas, mesas que são lançadas ao mar, o ciclone eleva as crianças. Que voam e rodopiam, acima de toda aquela desgraça.

crédito da foto (aqui)

Um comentário:

  1. Por mais decadentes ultrapassadas e velhas, o que aparecem nas fotos de Cuba são belas aos meus olhos.

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