Vejo que nos últimos dias, neste blog, dois assuntos monopolizaram espaço e atenção: a presença de Jorge Mautner no Cariri e a polêmica sobre postagens anônimas.
Revelo, pois, minha intenção de, tão cedo, não mais falar sobre esses dois temas. Principalmente, agora, depois de assistir a Patativa do Assaré, Ave Poesia. Pra mim, motivo de relembrar uma época onde tínhamos um sonho coletivo de construção de uma utopia, de um mundo transformado pela arte e pela poesia. Não chorei, confesso. Mas, um nó apertou-me a garganta. Parece que só depois de ver o filme é que, finalmente, a ficha caiu. Patativa bateu asas e subiu de vez aos céus.
A emoção bateu forte, tanto quando vi as imagens raras e lindas do filme, como quando ouvi parte da imorredoura obra deste poeta maior. Foi, igualmente, comovente ratificar, pelas citações contidas, que muitos companheiros de fé na arte, não apenas souberam reverenciar o mestre com carinho, mas ajudaram a mantê-lo no mais alto galho da frondosa árvore da vida, fazendo com que o seu canto ecoasse mais duradouramente e para mais distante.
Além de Rosemberg Cariry, leal amigo e cumpadre do menestrel, dono do mérito maior por ser o autor da obra, são particípes deste mutirão: Eloi Teles, Luiz Carlos Salatiel, Emerson Monteiro, Jefferson Júnior, Jackson Bantim, Dedê, Stênio Diniz e tantos outros que montaram o cenário e foram (e alguns ainda são) atores de uma cena armada com a cultura da região, ao longo dos últimos anos.
Além de emocionado, fiquei feliz e honrado por estar ao lado desses artífices em alguns momentos da trajetória. Em especial, ao longo da década de 1980, quando formamos uma nova troupe e nos juntamos aos que aqui ficaram, para reativar o Salão de Outubro, entre os anos de 1983 e 1987.
Em todas essas edições do Salão de Outubro, Patativa esteve presente, fazendo seu recital, sem cobrar um tostão e sem fazer uma única exigência.
Nestes momentos e noutros, tive a oportunidade de conviver com Patativa, usufruindo de sua sabedoria e aprendendo com sua simplicidade.
Como, às vezes, a emoção embota a razão, deixo para Rosemberg Cariry a finalização deste texto:
"Quem lê ou escuta a poesia de Patativa do Assaré pensa, emociona-se e conscientiza-se do mundo, porque na sua poesia estão presentes todas as lutas e esperanças do nosso povo; estão reunidas palavras e idéias que se erguem com a dignidade guerreira dos justos, contra todas as formas de obscurantismos e de exploração do homem. Patativa do Assaré é um cristão primitivo e radical que bebeu na fonte do melhor humanismo".
Ave, Patativa!
Carlos Rafael: ao falar de uma referência das nossas almas, uma pessoa que se encontra muito além de nós todos, nesta semana mesmo a revista semanal Carta Capital trazia matéria do teatro de um grupo santista com poesias do Patativa, gostaria de retornar à matéria de nós mesmos. Nós que tanto brigamos pelo humanismo, pela natureza singular de ser humano, nos afogamos no anonimato, no pouco reconhecimento da árdua tarefa de arrancar o dia para poder descansar à noite. Se queremos uma idéia brilhante para o coletivo, não temos crédito, não temos a fé de quem decide que o que dizemos e porpomos seja algo de importante. Afinal vivemos uma sociedade que sobrevive, no dia-a-dia mal o pirão é suficiente para as 24 horas. Então isso tudo para dizer que Patativa do Assaré era isso tudo. Era igualzinho à nossas incertezas, às nossas inseguranças, à nossa falta de credibilidade em relação aos agentes oficiais e do capitalismo que financiam a cultura e selecionam sua expressão. Se você não se incomoda, vou passar para uma história que tive com ele. Vou postar outro comentário para não ficar uma massa de letras muito grande.
ResponderExcluirCarlos Rafael, admiro muito a sua preocupação em fundamentar referenciais de nossa cultura, independentemente da abrangência de segmentos dos objetos focados por você. Em mais um texto, com a propriedade de sempre, você nos dá uma aula de atenção e de cuidado sobre o que somos.
ResponderExcluirUm abraço
O final de tarde no sítio Batateira era uma fronteira entre otempo e espaço. Nele todos os séculos dos sertões íam baixando sobre nós como uma névoa de final de tarde enquanto isso o sol desaparecia por trás da chapada. No espaço nos encontrávamos entre o bucólico rural e a explosão do século XX urbano. Naqueles momentos a rádio araripe e também a educadora, tinham programas de cantadores e com ele o langor concreto da triste partida na voz de patativa. Era triste como a composição para nos abater, das seis horas, do angelus. Depois eu sempre via o patativa na feira do crato e na casa de Dona Benigna Arraes a qual eu sempre estava por lá, meus primos eram netos dela. Aí em 1968 eu fui embora, primeiro fortaleza por cinco anos e depois o rio. Cheguei ao rio exatamente como aquela música do belchior (sem parentes, amigos e vindo do interior), especialmente no campo universitário e profissional. No turbilhão tudo que fora ia se escondendo numa espécie de fog londrino, isso quando este ainda ocorria. Transmudei-me em carioca, fui modificando o sotaque, ficando agressivo no debate científico, enfim procurando me impor. Um belo dia fui até á cantina do hospital em que estava tomar um café e comprar cigarros (é já fumei). De frente para a caixa registradora, recebo o cigarro e a ficha para o cafezinho e me viro de lado para ir ao balcão pedir a xicara. Neste movimento meu olhar foi direto para a porta da cantina e sem que me desse conta ou pudesse fazer algo: o Crato entrou de supetão, como um ciclone tomando conta da cantina toda. Patativa na porta com um moleta tentava comprar fósforos. Imediatamente aderi ao esforço. Estou falando de 1975. Fomos batendo papo até o quarto em que se encontrava, ele fazia um tratamento ortopédico devido um atropelamento que tivera. Daí em diante todos os dias, na minha hora de almoço, seguia toda a minha turma de hospital para o quarto dele e ficávamos falando dele e da sua poesia. Era uma coisa fantástica o quanto o poeta brincava, não era bricadeira de adulto que passa as mãos na cabeça de criança, éramos todos, literalmente, crianças, brincando como se estivéssemos brincando com o que nossos pais chamava de "boi de osso". Era uma brincadeira sem eletrônica e sem mecânica, era "boi de osso" mesmo, poesia, as coisas do sertão, a alma humana, o futuro e, principalmente, muito otimismo conosco mesmo. Nós aí no Crato nem imaginamos quanto aquele homem era uma criança, como gostava de se satisfazer com a própria arte que ele mesmo inventava. Nem imaginamos o quanto ele é querido e conhecido pelo Brasil inteiro, aqui em casa mesmo tenho uma foto dele tirada por um fotógrafo paulista que foi ao nordeste só para encontrá-lo. Mas, finalizando para chegar ao espírito da primeira postagem: um dia meu pai o encontrou indo a pé para rádio araripe. Parou e lhe ofereceu carona. Ele, talvez cansado, aceitou e subiu. Subiu mas pensando que se tratava de um carro de praça. Quando desceu na frente da rádio, abriu a carteira e perguntou quanto custava a corrida. Meu pai desfez o equívoco e disse quem era e fez referência aos nossos encontros aqui no rio. Ele se desmanchou em humildade, envergonhado por ter querido pagar serviço para o pai daquele doutro importante lá do rio (isso era a fantasia dele). Então Carlos: nossos povos aí no Cariri são patativas verdadeiros, como ele, não uma peça descartável da humanidade plástica que se resume à embalagem.
ResponderExcluirAbraços.
Quando as dificuldades apontam, os nosso mitos nos ensinam.
José do Vale e Marcos Leonel,
ResponderExcluirÉ início de mais uma noite. O calor é forte, mas a moça do tempo anuncia possibilidade de chuva no Cariri para amanhã. Um quase plenilúnio embeleza mais ainda a noite, iluminando a serra e o vale.
Tento ser poético para tentar descrever a paz que tomou conta de mim, após ler seus comentários.
Gostaria de ter condições de expressar, agradecido, como as palavras suas me animaram, iluminando a alma, apontando a sina que desponta.
Gostaria de ser poeta para poder cantar daqui como é bom ser entendido aí.
Nada melhor do que os verdadeiros ícones, como Patativa (mas poderia ser Pound, né Marcos), para nos inspirar a verve que possa traduzir o que alma sente.
Grande abraço, amigos.
Um dia,
ResponderExcluirPatativa pôs o braço em volta da minha cintura e pediu-me para que lhe ajudasse a atravessar a rua Nelson Alencar. Fiquei trêmulo.
Reconheço tua emoção,
meu camarada Rafael.
Dedé,
ResponderExcluir(Como teus primos te chamam)
Vez em quando, teus escritos me tocam!
Conheço a sensação de ser estrangeira noutros lugares.
Sinto pelo Crato, saudades de ti...
Do teu povo, das tuas ruas, teu olhar em cada casa, que já não existe!
Ainda ando assim, pelas ruas do Crato...Catando o passado, extraindo a poesia, do que foi modificado!
Lembro da tua mãe, dos teus irmãos,
da casa de vocês, na Duque de Caxias, e da casa do teu pai, sem vocês, perto do Abrigo das velhas. Lá fomos vizinhos, e contemporâneos no Colégio Estadual, como professores.Jógavamos "buraco", quase todos as noites...Éramos dois casais!
Em 1975, viajei por uns tempos, e retornei 25 anos depois. Lembrar é tirar do coração um pouco d'água... e molhar o rosto!
Agorinha mesmo estou conversando com um rapaz, quase menino, que a minha memória gravou...e nessa hora, sou também uma menina...gaguejando, e timidamente, sorrindo...
Estive com Patatita, numa festa de Padroeira do Assaré. Raulberto Onofre( teu colega de Ginásio era filho de Raul Onofre, o então Prefeito).Chegou junto do poeta, apresentando-me, e já lhe pedindo versos... Ganhei umas trovas, que prognosticavam um futuro de rosa.Não é que o acerto foi nulo...Ficou a imagem de um lindo discurso, gravado num coração adolescente...Patativa cantava cá, e lá também! Patativa ainda canta, e inspira a gente!
Rafael,
ResponderExcluirEntre as pessoas que conheceram Patativa, poucos chegaram a conhecer Antonio Gonçalves da Silva. O filme AVE POESIA, retrata mais o homem Antonio Gonçalves do que o poeta Patativa. Talvez seja esse o motivo de tanta emoção despertada naqueles que veem esse trabalho.
Resemberg está de parabens.
O seu texto está uma maravilha.
Abraço
Dedê
Dedê,
ResponderExcluirSe dê, dê! se não dê, não dê!