domingo, 2 de dezembro de 2007

Os cinco rapazes do hotel Pirâmide


Os cinco rapazes do hotel Pirâmide nunca se interessaram por literatura e nada sabiam do encontro natalense de escritores. Também não pareciam encantados com a lua cheia e o mar quebrando nos rochedos escuros da praia. Bebiam whisky e um energético chamado red bull; riam e falavam alto como os que se sentem donos do mundo.
A caminho da praia, passei ao lado da mesa barulhenta dos cinco rapazes hospedados no hotel Pirâmide, com a timidez alarmante de quem não encara a alegria dos embriagados. Minha camisa chamou atenção de um, e tive de responder onde comprei o modelito exclusivo. Por sorte, livrei-me de dizer o preço.

Uma hora na praia enluarada, esquecendo as falas dos escritores famosos e o meu próprio significado. Na volta, o reencontro com os cinco rapazes do hotel Pirâmide, bebendo whisky e energético, falando todos ao mesmo tempo. São uns pândegos, pensei, lembram Mercúcio, Benvólio e Baltasar, os amigos de Romeu. Mas eles nada leram de literatura brasileira, muito menos Romeu e Julieta de Shakespeare.

Não é a minha triste figura de intelectual que atrai os olhares dos cinco rapazes, mas a camisa de grife que visto com displicência. Hospedados no mesmo hotel por onde circulam algumas figuras ilustres das letras nacionais, os rapazes ignoram tudo em volta deles e bebem whisky com o energético red bull.

- O Senhor é escritor?
- ... Sou...
- Então sente aqui com a gente. Nunca conversei com um escritor - me convida o que é empresário de uma banda de forró.

O que veste uma toalha amarrada na cintura me diz que o avô escrevia e era o segundo maior folclorista depois de Câmara Cascudo. Lamenta ter lido apenas um livro dele. O mais jovem da turma fará provas para o vestibular de medicina, no dia seguinte, e relaxa se embriagando. Um outro rapaz não seguiu o conselho da mãe de fazer medicina e ficar rico. Preferiu ciência da computação. Não sei o que deseja da vida o quinto rapaz; lembro apenas que se queixava de ter sido agredido por um companheiro. Todos falavam ao mesmo tempo, riam, bebiam e gritavam.

"A minha vida pelas três mulheres do sabonete Araxá!" - ofereceu o poeta Manuel Bandeira. Não sei quanto daria pelos cinco rapazes do hotel Pirâmide. Custou-me um grande esforço a convivência de uns poucos minutos, o tempo de algumas fotos e de sentir a estranheza daquele mundo sem literatura e sem poesia. Mundo de uma aridez extenuante, só comparável em aborrecimento a um outro mundo de litaratices de que vivo fugindo.

Peço a Deus que proteja esses meninos brincalhões, que gozam da minha cara, enquanto tento compreender o sentido de suas vidas. Muito cedo perdi o riso fácil, o gosto de jogar tempo fora. Algo me escapa das motivações de alguns jovens. E rezo para que os cinco rapazes do hotel Pirâmide, que se divertiam com quase nada, nunca inventem de atear fogo em índios e mendigos, nem bater em empregadas domésticas indefesas. Que riam da cara assombrada dos intelectuais caretas. Disso podem rir a vontade, porque não faz mal a ninguém.




Ronaldo Correia de Brito é médico e escritor. Escreveu Faca e Livro dos Homens. Assina coluna na revista Continente.


ronaldo_correia@terra.com.br

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