terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Editorial do jornal O POVO de hoje


D. João VI
Passageira clandestina

Há exatos 200 anos, no Porto da Baia de Todos os Santos, a Independência desembarcou clandestinamente no Brasil

Hoje, comemoram-se os 200 anos da chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil, com o desembarque em Salvador, Bahia, no dia 22 de janeiro de 1808. Haviam-se passado quase dois meses (27 de novembro) desde que deixara Portugal para escapar da invasão das tropas de Napoleão Bonaparte, imperador da França. Iniciava-se naquele momento um novo período histórico para o Brasil - Colônia, tanto que, apenas quatorze anos depois, cortaria os laços com Portugal, tornando-se uma nação independente.

A comitiva de cerca de 10 mil pessoas era comandada pelo príncipe regente D. João, dela fazendo parte sua mãe, D. Maria I (que deixara o trono por problemas de saúde mental), outros dois filhos dela, os infantes D. Pedro e D. Miguel, e o infante espanhol, D. Pedro Carlos de Bourbon, além da esposa do príncipe regente, Dona Carlota Joaquina e os filhos do casal. Os quatorze navios que os trouxeram portavam também suas riquezas, documentos, bibliotecas, coleções de arte e tudo que era possível transportar na transmutação de uma civilização.

Infelizmente, a historiografia oficial passou uma imagem simplória e deformada de Dom João VI, não fazendo jus ao seu valor como estadista de grande tino. A retirada de Portugal, longe de ser uma simples uma fuga, foi uma engenhosa operação estratégica com vistas a preservar o império português, impossibilitado de enfrentar militarmente a nação (França) então a mais poderosa da Europa continental, depois de recusar adesão ao bloqueio continental decretado por Napoleão Bonaparte contra a Inglaterra. Os britânicos eram velhos aliados dos portugueses e mantinham grandes interesses no Brasil. O dilema de Dom João VI era muito cru: se aderisse ao bloqueio, os ingleses provavelmente se apoderariam do Brasil, e o próprio Portugal apenas conservaria uma autonomia formal, pois, na verdade, se transformaria em um protetorado francês. Se desobedecesse à França, seria ocupado militarmente. Preferiu uma retirada estratégica, transferindo a administração do império português para sua principal colônia, sendo mais difícil para Napoleão alcançá-lo devido ao domínio dos mares pela poderosa marinha britânica. Dessa forma, esperava preservar a herança portuguesa até que um dia pudesse retornar à terra natal.

De fato, Dom João VI salvou o seu reino, pois teve fôlego para assistir de camarote à derrota de Napoleão Bonaparte. Não poderia, contudo, impedir a dinâmica da História: ao elevar o Brasil à condição de Reino Unido e sede do império lusitano desencadeou forças nativas brasileiras que passaram a atuar de motu próprio. Tempos depois, quando os portugueses retomaram o comando da metrópole não puderam mais fazer retroagir o relógio da História, pois o Brasil tomara gosto pela autocondução. Logo viria a Independência que também desembarcara, clandestinamente, sem ninguém notar, daqueles navios. Há, exatos, 200 anos.

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