quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

LIBERDADE, LIBERDADE, ABRA AS ASAS SOBRE NÓS

Leonel e Armando:

Em primeiro lugar sentia falta do Leonel. Vem o sol do verão e nosso escribas foram cuidar de afazeres do corpo, de mar, de águas e e lazer. Mas agora voltou e o Cariricult ficou mais pleno. Um momento, eu sei que ali pelo mês de dezembro e início de janeiro, ele andou com uns textos bastantes críticos sobre a viagem da família imperial ao Brasil. Isso tudo é bom para nós, para o Leonel e para o Armando.

Causa irritação, a gente fica com raiva pelas convicções em choque, mas todos ganhamos. Querendo entrar o debate por uma via alternativa: proponho a leitura do livro do Pierre Vergé chamado "Fluxo e Refluxo do Tráfico de Escravos de Negros entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos". Neste livro, um grande calhamaço, vê-se perfeitamente a estrutura econômica e social, inclusive a geografia da cidade de Salvador por trás do tráfico. Inclusive a estrutura econômica do Daomé ou da chamada Costa da Mina que fica numa faixa territorial entre o Benin e a Nigéria. Acho Armando, difícil glamourizar a família imperial, pois deste modo seriam apenas personagens de um cinema ou seja de ficção. A estrutura do Império, aquela verdadeira, da Corte, do modelo exportador, dos Barões, Duques, enfim foi nesta estrutura que o modelo escravagista, baseado na exportação se sustentou. Ainda falta, no período colonial falar da escravidão indígena que é um fato mais relevante que os livros do ensino fundamental deixam transparecer. Outro dado é que o bloqueio inglês não foi efetivo, o tráfico continuou a sotavento (o vapor era dos ingleses) especialmente de um outro fluxo o de Angola. É importante lembrar que intelectuais, artistas, setores de uma classe média muito acanhada foram importantes formadores de opinião, formadores de um imaginário já resolvido em outros países das Américas. É sempre necessário se estudar a própria queda do império como conseqüência do fim do regime escravagista, pelo menos na parte de suas estruturas econômicas, mas também políticas.

Por último Armando, pelo que li da literatura cearense, falo de autores não marxistas, falo dos clássicos do tipo Antonio Bezerra, pelo que li, nisso a tua maturidade como historiar é de grande valor testar uma hipótese que intui destas leituras: parte dos escravos do Ceará foram comprados como maneira de acumulação de capital. O escravo tinha valor de mercado, comprar escravos mesmo não precisando deles para a produção era uma forma de guardar capital. Então nos três anos da grande seca da segunda metade do século XIX, a economia do Ceará arruinou-se. As salgadeiras do Jaguaribe em Aracati quebraram e o rebanho bovino foi para o espaço, tendo-se que arrumar capital para comprar matrizes animais, especialmente no Piauí. Pois foi nesta época que os proprietários de escravos do Ceará venderam seus "estoques", especialmente para o poderoso plantio de café no Vale do Paraíba. Hoje na região do Paraíba, um bom pesquisador irá encontrar um grande número de descendentes dos escravos Cearense.

A hipótese: a anterioridade da libertação dos escravos na Terra da Luz se deu por um aumento de consciência política anti-escravagista e pelo baixo valor econômico que a instituição tinha no estado. É uma boa hipótese para discutirmos.

Em tudo isso, acho que todos ganhamos como vocês. Aqui no Cariricult sinto falta agora da Socorro Moreira, da Glória, pois o Lupeu está em vertendo um caudal de pensamento em nossa direção. Sinto falta de mais Salatiel e do Carlos dizendo mais do que dizem. E que o Carnaval seja o ambiente dos nossos ruídos.

3 comentários:

  1. Grande postagem a sua, meu caro amigo José do Vale. Artigo de quem conhece do assunto, como também conhece legitimamente o historiador Armando Rafael, embora mantenha para comigo uma postura pedante e arredia ao debate, o que lamento muito. É natural que cada um defenda a sua ideologia, a meneira como o faço pode incomodar, pode ser agressiva, pode transparecer anarquismo, mas não é, apenas externo meu ponto de vista dessa forma, afinal de contas eu acredito em estilo literário, e é por isso que participo desse blog. No entanto, não deixo nunca de apreciar um bom texto como esse seu, simplesmente providencial. Estou de volta ao debate.
    Grande abraço irmão.

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  2. Caro José do Vale,

    Compreendi, e agradeço, suas ponderações. Vejo nelas uma demonstração da nobreza de que é dotado, resultante, muito provavelmente, da boa carga genética de que é possuidor, fruto da junção de dois importantes clãs nordestinos: “Arraes-Feitosa” (dos Inhamuns) “Teles-Pinheiro” (do Cariri cearense).

    Apenas um comentário, sobre sua alusão aos títulos de nobreza. Era atribuição dos Imperadores brasileiros conceder títulos, honras, ordens militares e distinções em recompensa aos serviços prestados à nação brasileira.
    No Brasil – pouca gente sabe disso – (e diferente das outras monarquias) os títulos de nobreza NÃO eram hereditários.
    No Império um título de nobreza significava apenas prestígio social, em reconhecimento a um relevante serviço prestado à pátria. O título de Barão do Exu, para citar um único exemplo, concedido a Gualter Martiniano de Alencar Araripe, justificou-se pelas doações em dinheiro que ele fez para a campanha da Guerra do Paraguai. A sugestão da concessão partiu de um parente dele, o escritor José de Alencar, à época Ministro da Justiça.
    Em resumo: os membros da nobreza titulada durante o Império não podem ser descritos como uma classe privilegiada. Na prática eles eram iguais aos demais súditos.
    Entre 1822 e 1889, foram outorgados apenas 1.278 (um mil duzentos e setenta e oito) títulos de nobreza, a 980 titulares. Para evitar alguma confusão explico: é que estes 1.278 títulos foram concedidos a 980 pessoas. (menos de mil indivíduos). A diferença de 298 títulos existe pelo fato de uma mesma pessoa ter sido agraciada mais de uma vez. Por exemplo: o Duque de Caxias antes de ser duque foi conde.
    O valor principal de um título de nobreza no Brasil representava, assim, menos em privilégio formais do que em vantagens práticas para o agraciado. As despesas com o recebimento do título ficavam por conta do agraciado. E quando este morria cessava o título. Equivalia, portanto, a um dos desmoralizados títulos de “Cidadão Honorário” hoje abusivamente concedidos pelas Câmaras Municipais e Assembléias Legislativas. Até nisso era diferente o Império do Brasil.
    Cordialmente,
    Armando Lopes Rafael

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  3. É oportuno aqui registrar como é que se forma e como pensa a elite branca e católica brasileira, e mais especificamente da província do Crato, um dos poucos redutos feudais intelectuais do país. A tendência positivista já é uma postura esquisita de se defender, mais duvidosa do que retrógrada, adicionada ao determinismo biológico, torna-se então uma tendência extremamente suspeita, típica de quem defende a discriminação racial e social. É justamente esse um dos principais pilares da defesa caricatural da monarquia: a divisão de castas, a sedimentação do poder através da raça, e principalmente, o culto irrevogável à cegueira, com um gtrande risco de se tornar anedota.

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