sábado, 19 de janeiro de 2008

Reflexão (e lição) da história

Tem um dito popular que diz: "Nas voltas que o mundo dá, um dia o urubu pensa que é sabiá"

Abaixo matéria da revista "Veja" que começou a circular neste sábado:



Brasil
Cara de mau para Lobão


Pressionado pelo PMDB, Lula confirma Lobão no Ministério de
Minas e Energia e expõe a fragilidade política do governo



Diego Escosteguy









Gustavo Miranda/Ag. O Globo






Lula e Lobão: o presidente confirmou a indicação do senador apesar das denúncias de irregularidades

A história brasileira mostra que a política costuma ser implacável com os governantes que abusam das armas do pragmatismo. Eles acabam devorados pela própria esperteza. Em 1961, Jânio Quadros renunciou ao mandato com a convicção de que voltaria ao poder triunfalmente nos braços do povo. Três anos depois, o governador Carlos Lacerda apoiou o golpe militar, certo de que seria eleito presidente no ano seguinte. Foi banido da vida pública. Ao nomear Edison Lobão, em nome de interesses menores, Lula aproxima ainda mais o governo de um grupo de nobres representantes do que há de pior quando o assunto é pragmatismo. O episódio revela também quanto o governo tem se transformado em refém de suas próprias escolhas e, principalmente, de suas más companhias.

a metamorfose vivida pelo presidente Lula nos últimos anos é fruto da simbiose entre dois personagens distintos. Um, o político popular, que se encaixa perfeitamente na definição de líder carismático do sociólogo alemão Max Weber. Esse era o Lula candidato, que o Brasil conheceu até a vitória do PT nas eleições de 2002. O segundo Lula revelou-se no exercício da Presidência: um político pragmático, obediente às leis tácitas e nem sempre republicanas de Brasília. No primeiro mandato, essas duas faces do mesmo personagem coexistiram, mas não raro entravam em choque. O primeiro ano do segundo mandato do presidente mostrou que, aos poucos, os dois Lulas começaram a convergir em uma única figura. Na semana passada, essa simbiose ficou nítida com a nomeação do senador Edison Lobão para o Ministério de Minas e Energia. Lula apareceu cumprimentando o futuro ministro olhando para baixo, abatido, sugerindo um tremendo desconforto, como se estivesse sendo obrigado a fazer o que não queria. Parecia constrangido em entregar um dos cargos mais vitais do governo a um senador que, mesmo nunca tendo sido alvo de denúncias ou protagonista de escândalos, chega ao ministério com duas desvantagens flagrantes. A primeira é ser totalmente leigo no assunto energia. A segunda é abrir caminho a uma cadeira no Senado para um suplente, seu próprio filho, sobre cuja conduta ética pairam grandes dúvidas.


Desde que o pensador florentino Nicolau Maquiavel escreveu, no começo do século XVI, que o governante devia privar suas decisões políticas de preceitos morais se quisesse manter-se no exercício do poder, o pragmatismo se transformou num elemento incontornável da vida pública. Ninguém deve esperar que um governante que se conduz por tais princípios tome decisões que venham a lhe criar problemas, por mais nobres que elas pareçam. Mas é ingenuidade achar que fazendo concessões de toda ordem os problemas serão milagrosamente contornados. A confirmação de Lobão no ministério de Lula, que parece um ato de habilidade política, na verdade evidencia a fragilidade do governo, a necessidade de negociar cada metro quadrado de poder em troca de um minuto de tranqüilidade. Lobão surge nesse cenário como mais um dos muitos zumbis que rondam, assombram e assaltam o governo nos últimos tempos. Seu filho, Edison Lobão Filho, vai assumir a vaga do pai, mesmo tendo admitido que usou uma doméstica como laranja em uma de suas empresas. O PMDB, por intermédio do senador José Sarney, exigiu a nomeação de Lobão como condição para permanecer como um aliado oficial no Congresso. Ao negociar migalhas em nome da pacificação da chamada "base aliada", o presidente, mesmo de cara feia, apenas confirma sua tolerância com esse tipo de comportamento e reafirma submissão a esse tipo de chantagem.


Além disso, nomear um político sem experiência técnica num ministério repleto de problemas complexos, como a ameaça de um apagão, é uma temeridade. Pode dar no que deu no Ministério da Justiça, conforme revelou VEJA na semana passada. Lá, as ingerências políticas do secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior, causaram a demissão de duas diretoras do Departamento de Recuperação de Ativos, órgão essencial no combate à lavagem de dinheiro e ao crime organizado. Júnior é delegado da Polícia Civil e foi nomeado por exigência do pai, o senador Romeu Tuma, que migrou para a base do governo. A intromissão indevida foi confirmada pelas funcionárias demissionárias. O Ministério da Justiça, porém, além de defender Tuma Júnior, determinou a abertura de sindicância para descobrir os responsáveis pelo vazamento da notícia. "O pragmatismo do governo tem se traduzido no mais desavergonhado fisiologismo", diz o cientista político Octaciano Nogueira, da UnB. "Com isso, a política tem se reduzido à administração dos interesses pessoais."


Tanto Lula como o PT, ao menos no discurso, sempre se opuseram ao fisiologismo descarado e às barganhas políticas de ocasião. No governo, praticam tudo isso com desenvoltura e ao sabor dos interesses da hora. "No fundo, Lula sempre foi um político conciliador, que nunca demonstrou preocupação com orientações ideológicas, preferindo não desagradar a ninguém", afirma o historiador Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos.




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