terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Sofia aos dois meses de idade

O pospositivo sophía que compõe a palavra filosofia tem o significado de saber, ciência, sagacidade, habilidade manual. O primeiro significado, agora descobri, não é uma matéria do tempo. Ciência, sagacidade, habilidade manual são, mas "saber" não. Este pelo que Sofia, aos dois meses de idade, revela é o continente que regra os conteúdos no interior do cosmo. Desde a junção dos gametas que deram em Sofia, já se encontravam duas sabedorias sobre o mundo. E Sofia já as espalha entre nós.

A primeira das duas sabedorias. Aos dois meses de idade Sofia se agita. Encolhe-se e se estica. Balança a cabeça, abre a boca, aproxima-se do corpo que a segura. Sofia franje o rosto, aperta os olhos e chora sem parar até que encontre o saber principal e universal a todos os seres vivos. E este saber é o de ser no mundo, estar no mundo e nele se ligar impreterivelmente. E porque Sofia tanto alerta com o conteúdo desta sabedoria? É que Sofia, como todos nós, é parte contínua e não descontínua da totalidade de todas as coisas. Ao contrário do que os sábios levam a crer em razão do poder de abstração que os separa dos objetos de sabedoria. Na verdade a sabedoria de Sofia é o da nossa continuidade com as energias e massas do cosmo. Qualquer escassez nesta continuidade rompe com a sabedoria que Sofia nos revela.

A continuidade de Sofia com o mundo é o ar que respira, a água que bebe, o leite que mama. Este liame intocável é o que chamamos alimento e a falta dele, a terrível palavra fome. Sofia, aos dois meses, desdobrou tal sabedoria em duas partes: a continuidade com o mundo e a descontinuidade da fome. E desta vem o choro de Sofia, o protesto sem parar até que algo ou alguém venha em seu socorro. E se não vier, mesmo assim o grito da inanição se fotografa na cena da impiedade da sociedade geral humana que lá não chegou.

A segunda sabedoria. De um ponto qualquer, uma luz, um ventilador, uma pessoa e ela pára o olhar sobre tal. Ao lado, do outro, para cima, para baixo ou em frente o olhar de Sofia se dirige. Neste exercício dela com o conteúdo do cosmo, um brilho no olhar revela a intensidade daquele momento e daquele objeto. De alguém que tenta comunicar-se com ela. O olhar se aperta um pouco como em busca da apreensão do instante e toda a musculatura da face parece se abrir. Nisso, pelos cantos da boquinha desenhada como um coração de passarinho, começa um movimento que ilumina Sofia com um riso para a vida. Um estado de plena satisfação, contentamento ou bem estar.

Sofia, aos dois meses de idade, já sabe do grande destino da vida humana. A felicidade é o encontro, mesmo que temporário, entre a continuidade com o cosmo e a sensação plena do seu planisfério. Mesmo que as cotas do plano possam se elevar ou deprimir, a sensação de que se encontra em continuidade com o continente e o conteúdo do mundo é a fonte da felicidade. E este estado de sabedoria é tão importante que a maior nação do mundo moderno, os EUA, inscreverem seu objetivo na própria constituição. E Sofia já compõe esta sensação em seu mundo.

Um comentário:

  1. Dois meses de puro deleite
    para quem perceba
    a graciosidade da pequena
    Sofia
    sofisticada em atiçar
    boas novas.
    Um abraço, meu camarada.

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