Certos esforços coletivos não são fáceis de ter identificada a sua origem. O mais provável é que vontades antes reservadas terminem por se expressar entre várias pessoas e afinal se tornam em um único desejo. Um único desejo entre pessoas tem potência muito alta de acontecer.
A certeza é que alguém sentada numa mesa do Granjeiro, tomando uns copos de cerveja gelada no interior da paisagem do vale do Cariri comentou: eu não morro sem ir a Roma. O companheiro de copo bateu duas vezes na madeira da mesa e repetiu a frase. As mulheres logo se assanharam pensando nas grifes, nos perfumes europeus, nas calçadas de gente bonita. Um que passava para uma prosa breve ouviu e lembrou da bênção papal. Assim deste núcleo a vontade foi se unificando.
A TAP seria a aerovia. O crediário no cartão a certeza. E a vontade arregimentadora criou um grande grupo. Alguns já haviam cruzado o oceano. A maioria se aventurara pelo turismo nacional. Mas ela, a mais pioneira entre todos e todas, apenas chegara até a beira do oceano atlântico, em Fortaleza, por uma única vez.
Imaginem a fantasia antecipada que ela vestiu com a família e a vizinhança. Só de medalhas milagrosas e quinquilharias que se tornam troféus de viagem dos turistas, para se esquecerem no fundo de gavetas escuras e empoeiradas, ela tinha uma lista de toda a rua. Vestidos, lingeries, cabelos cortados e pintados, dieta para emagrecer e cremes para suavizar a pele. Estava pronta para a grande ventura.
A viagem até Fortaleza já foi em ônibus especial, fretado especialmente para o grupo. Chegaram direto ao Aeroporto. Naquele dia teve um teste de carga excepcional na calçada repleta de malas. Malas com fitas coloridas, a algazarra dos desejos. O embarque, apresentar o passaporte, uma emoção sem igual. Vôo e todos em Roma.
Todo mundo junto. Um mundo se expondo em milhares de desejos. Era tanta coisa que manter o grupo unido seria um esforço de estouro de manada. Finalmente ela combinou com as amigas que as esperasse onde se encontravam, enquanto entrava para comprar algum souvenir. Pronunciar a palavra souvenir já era uma sofisticação maior que a própria. Escolhe ali debaixo, no meio e em cima. Escolhe do lado, olhe que lindo acolá, pronto a variedade é o trevo da perdição.
Retornou ao ponto de encontro e o grupo havia sumido. Isso mesmo, em plena Roma, no centro daquele mundo estranho, não havia uma cara conhecida nem para um chá. Na esquina e na outra também não. De repente nunca mais acharia o Crato. Sozinha, abandonada. Sem um norte na vida. Não teve alternativa.
Foi para o centro da Piazza Navona e toca a berrar a plenos pulmões e nos decibéis que as cordas vocais permitiam. VIVA O BRASIL. VIVA RONALDINHO. VIVA O BRASIL. VIVA RONALDINHO. Alguém se apiedou da cena veio pergunta que acontecera para tamanho amor patriótica e ela:
Aquelas covardas me abandonaram. As covardas disseram que me esperavam aqui e nem sombra delas. Covardas mais safadas. Covardas sem alma.
Ele lembrou de uns restaurantes por perto em que os ônibus de turismo costumavam levar seus viajantes para o almoço. Foram para lá, ela reencontrou o grupo mas foi aos berros:
Suas covardas. Me deixaram sozinha no mundo. Isso não é coisa que se faça. Eu só faltei morrer de medo.
As amigas tentaram se explicar pelo ato falho, mas tal coisa só servia para que ela mais ficasse excitada. Desconfiava que aquele esquecimento fora proposital. E neste clima do medo e da suposta rejeição deu quiripapo no peito da mulher, passou mal, saiu de ambulância internada para avaliação.
No dia seguinte a excursão iria a algum lugar e ela já queria ficar junto. O médico nem aí, daqui não sai ela ainda deve ficar em observação. Para terminar a história a mulher teve discreta melhora apenas para fazer o caminho de volta para o Crato e com ela toda a frustração dos demais com a excursão interrompida.
A danada ainda comentava: bem feito. Também fizerem aquilo comigo!
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