terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Festa de ilusões

Emerson Monteiro

Às vezes, paro e penso, exercício de rotina, neste mundo rotineiro que quer, inclemente, a tudo dominar. E pego a pensar nas coisas como estão, quando, talvez, devesse esquecer e deixar o tempo passar, pois passaria de qualquer jeito. No entanto, os batentes das janelas seriam insuficientes para agüentar o peso das interrogações dos meus cotovelos e os braços em cima deles, que, insistentes, se debruçam a pedir explicações ao vento, ao horizonte das horas espalhadas nas asas das andorinhas e do verão adormecido.

Perguntar pelo emprego dessa juventude cheia de vida e sem rumos definidos. Pela paz social que não vem, ainda que os militares se achem recolhidos aos quartéis há duas décadas. Pelo resgate do déficit social, que, além de não empregar a força de trabalho disponível nas praças e periferias esquecidas, incólume desfila nas manchetes dos jornais ao cheiro de gambiarras sem graça e custosas ao erário público. Pelos sonhos sonhados a duras penas, nas gerações seculares dos dias melhores para todos, ideal de filósofos e poetas, profetas e compositores. Pelo brilho nos olhos das crianças felizes, que ignoram o que lhes espera, nas mãos dos administradores públicos de barriga cheia ao preço da esperança do nosso povo alegre.

E a droga domina dentro e fora da televisão esfuziante, nas salas, poços do que sobrou da saudade, dia e noite, na viagem que apresenta só os dentes carcomidos, das Américas ao Oriente Médio. O que dizer de máfias gordas, inseridas nos estamentos sociais da neoliberalidade, eleitas como alternativa às revoluções radicais? Pensar o quê das notícias de desastre econômico, nos países atrasados? Ricos mais ricos e pobres apenas remediados?

Enquanto a tecnologia enche o bolso na confiança de quem espera por isso de mudança, um populismo exacerbado invade as feiras da sociedade, compra e vende consciências, mercadoria valiosa na preservação das espécies, parecido como quando antes se fazia, nos mercados orientais, a venda dos escravos derrotados. Pedir mesmo o quê, a quem vive satisfeito com as brigas de comadres, partidos políticos e suas esferas empapuçadas?

Bom, algo, contudo, se impõe, no fastio das levadas de viola, neste mundo velho. Conformação sem acomodação, eis a receita. Dar os passos no caminho aqui em frente, e seguir andando, apragatando os pés no chão da vida, sem, todavia, perder o encanto. Há que ser assim, diferente, qualquer dia. Ninguém agüentará comer o que nunca plantou, na justiça da Eternidade, que exige condições indiscutíveis e sinceridade, porquanto persistem leis inevitáveis, no caldo que tudo envolve. Nisso, querendo ou não, algum dia se transforma, apesar da tola incompetência de pensar sem ver e ver sem conhecer; coisas acontecerão e nos daremos conta dos momentos certos, quando bem cumprirmos nossa parte.

2 comentários:

  1. Emerson: escreve um texto de século XXI. Quando ainda nem se passaram 10 anos dos início do séculos, novos dizeres parecem buscar apreensões distintas do que ocorrera no século passado. Texto poético, reflexivo, quase uma oração religiosa, mas ao mesmo tempo umbilicalmente ligado às coisas do mundo. Às impropriedades dos arranjos sociais e econômicos, ao futuro através das crianças o presente pelos velhos. Emerson enfeixa o Crato e o Cariri sem uma única referência ao seu espaço. Mas fala do conteúdo do seu tempo. Bom ler coisas como essa.

    Abraços

    José do Vale Pinheiro Feitosa

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  2. José,

    Que boas palavras de se ler numa terça-feira de manhã, com o Cariri bem molhado das chuvas da noite, numa época de tantas oportunidades.

    Abraços.

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