terça-feira, 4 de março de 2008


MATOZINHO VAI À GUERRA:
O INSTANTE E O INSTANTÂNEO

Publicar um livro no Cariri é fornecer elementos para a solidificação da solidão da escrita. É, fatalmente, ficar inerte diante daquele idiota especial, que na noite de autógrafos manuseia o seu livro momentaneamente e o devolve com as páginas intactas, afirmando: “eu também escrevo, junto umas coisinhas já faz tempo, você precisa ver.” O Cariri é terra de muitos escritores, de fato ou de artefato, e pouquíssimos leitores. Não creio que Matozinho Vai à Guerra, de J. Flávio Vieira possa quebrar essa tradição. Mas vale a pena ler essa matéria sobre o livro, publicada na famosa, na indiscutível, na inelutável revista Espia. Matéria essa que reproduzo aqui na íntegra:

A carnavalização da própria existência através do grotesco, do anedótico e do pitoresco é um dos principais tópicos da estruturação de Matozinho Vai à Guerra, um livro cheio de instantâneos da vida cotidiana de um povo alimentado pelo próprio imaginário.
O riso é o diluidor da dor de existir. O riso quebra a solenidade da sagração unilateral do ser e do estar, e instaura a desordem, o estranhamento, liberando a realidade da carapuça de ser total, de ser definidora da vida e da morte.
Em Matozinho Vai à Guerra, J. Flávio Vieira soube mergulhar na superfície do momento, deixando que os próprios personagens exercessem o espontâneo da linguagem, sem se apegar ao caráter mimético do neonaturalismo ou ao aspecto crítico-psicológico do neorealismo, ou mesmo à arcaica ideologia de preservação da cultura popular, que tanto embebedam a patética produção oficial da literatura cearense.
Sem teses mirabolantes, como também sem o tom piegas do discurso literário passadista, o costumismo de J. Flávio Vieira vai revelando em instantes cotidianos, personagens singulares, oriundos da sincronia do inconsciente coletivo com a realidade não menos fantasmagórica, formando uma ponte entre o local e o universal. Janjão Cataplasma; Pirrolão; Pedro do Rodo; Expedita da Arupemba; Felipe de Giba; e tantos outros, não são apenas personagens, eles representam a própria catarse de um povo que pertence a várias sociedades.
As pequenas histórias da cidade imaginária de Matozinho formam a alegoria de um Cariri histórico, enquanto revelador da produção material de qualquer povo de qualquer região. Estamos vivos, embora muitos não aparentem. Por isso essa leitura é providencial.
Não farei aqui resenhas cretinas dos contos, artifício típico desses aparatos imediatistas da imprensa. Quem quiser que leia o livro. E o faça comprando, sem aquela pecha imbecil de dar uma força ao escritor. Pois isso além de ser ridículo, reduz ao insignificante o público leitor da região.
Matozinho Vai à Guerra é uma publicação mais do que oportuna, pois além de fortalecer a reticente vida literária da região, confere já um caráter de urgência na abordagem desses livros, a partir de uma ótica mais profissional do que diletante. É o caso, por exemplo, da mais do que madura indicação desse e de outros livros, como obras de referência para o vestibular da nossa Universidade Regional do Cariri.

Marcos Leonel

3 comentários:

  1. Obrigado pelo texto: forte, conciso, anatômico. Creio que foi a melhor crítica que recebi até agora sobre o livro. Vc teve a capacidade de ver/antever/tresler e acredito que é importantíssimo este olhar distante e crítico. Obrigado pelo trabalhão de ler o calhamaço e de esmiuçar para todos suas considerações tão abalizadas.

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  2. Valeu cara
    o seu livro tem vida própria
    e merece ser lido através de olhares múltiplos.

    Fora isso, Zé Flávio, perceba que a indiferença perdura no blog, o que é muito lamentável. É como se trincheiras fossem estabelecidas, mas estamos na área.

    Abraços

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  3. Marcos, só você é você!
    Gostei especialmente da parte: "“eu também escrevo, junto umas coisinhas já faz tempo, você precisa ver.” Genial!
    Um grande abraço

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