quinta-feira, 27 de março de 2008
Uma Semana Santa que não seja de mentira
Passei a Semana Santa no Crato, uma cidade do Ceará próxima a Juazeiro do Norte, que ainda celebra os rituais da Paixão e Ressurreição de Cristo, como se estivéssemos na Idade Média. O Crato possui bispado e já foi a mais importante cidade cearense. Há algum tempo perdeu o prestígio para a vizinha Juazeiro, que ganhou fama e prosperidade por causa do Padre Cícero Romão Batista, o Padrinho Ciço.
Numa pesquisa realizada durante a primeira visita do Papa João Paulo II, ao Brasil, descobriu-se que o Ceará era o estado com maior número percentual de católicos praticantes. A julgar pelo que vi agora, a pesquisa não errou. A Via Sacra e a procissão do Senhor Morto foram acompanhadas por milhares de fiéis, que nem cabiam na Igreja Matriz do Crato. Ninguém se queixava nem arredava pé das cerimônias litúrgicas que duravam até mais de cinco horas. E no Juazeiro do Norte, chegavam centenas de carros cheios de romeiros, que vinham celebrar o Padrinho e a Mãe das Dores, com louvores populares e simples.
A Igreja continua apostando na força do teatro que encena. E na tirania do pecado e da culpa com que ameaça os fiéis. Nas cidades cearenses de Barbalha, Missão Velha e Várzea Alegre ainda se encontram grupos de penitentes vestidos de opas negras e capuzes cobrindo os rostos, que se fustigam com lâminas cortantes, até sangrar. Mas os penitentes já não se cortam tanto, não escondem a identidade como no passado e gostam de ser filmados pelas câmeras de televisão. Praticam o costume da penitência muito mais por um hábito cultural estimulado por prefeituras e instituições folclóricas, do que por fé religiosa. Embora afirmem o contrário, na frente dos microfones.
Os padres e bispos da Igreja do Crato rechearam os sermões da Semana Santa com pedidos pelos marginalizados, crianças abandonadas, doentes e explorados. No papado de João XXIII surgiu a Teologia da Libertação e a opção pelos mais pobres, que aproximou um segmento da Igreja Católica da política de esquerda. Com João Paulo II, o clero liberal foi para escanteio, e Bento XVI reafirmou uma Igreja mais preocupada com as questões da alma. O novo papa condenou com mais veemência o controle da natalidade, o aborto, as pesquisas genéticas e os casamentos entre homossexuais.
No Ceará, são alarmantes os índices de prostituição infantil e de adolescentes. Fortaleza é um dos principais endereços do turismo sexual. Também é altíssimo o número de menores gestantes, usuários de álcool e drogas. A maioria das cidades sertanejas tem baixo IDH e baixa escolaridade. Mas a Igreja Católica ataca os métodos anticoncepcionais - o uso de preservativos, de pílulas e dispositivos intra-uterinos - como se fossem pecados infernais. Finge ignorar que um dos maiores dramas da pobreza são os filhos indesejados. Em nome do direito à vida, deixa que proliferem vidas miseráveis.
O hino mais cantado na Via Sacra tinha o seguinte refrão: "Eu vim para que todos tenham vida, que todos tenham vida plenamente". O "eu vim" se refere a Jesus Cristo. Não sei a que plenitude a Igreja se refere. À do espírito? É possível a plenitude do espírito pela simples representação do cerimonial? Os escândalos com padres pedófilos apontam para uma ausência de plenitude amorosa dos sacerdotes. Atacando o casamento homossexual a Igreja Católica faz vista grossa aos padres gays. Para que todos tenham vida plena, é preciso acabar com o celibato, celebrar casamentos heterossexuais e homossexuais. Talvez, assim, os rituais se tornem menos teatro e mais vida.
Ronaldo Correia de Brito é médico e escritor. Escreveu Faca e Livro dos Homens.Colunista do Site Terra Magazine
ronaldo_correia@terra.com.br
Grande texto!
ResponderExcluirEssa é uma oportunidade e tanto para reflexões. Tão perigosas quanto as patrulhas ideológicas, são as patrulhas em nome de Deus, seja ele qual for.
Caro Marcos,
ResponderExcluirAchei, também, o texto do Ronaldo muito interessante. Postei no blogdocrato e deu a maior polêmica, o Armando Rafael se sentiu ofendido e resolveu abandonar o blog, crendo seu uma agressão ao Catolicismo.Vejam como são as coisas !