quinta-feira, 17 de abril de 2008


A ESTRELA SOBE?

A cobertura da imprensa no caso Isabella tem servido vários pratos para várias fomes. São diversas as diretrizes e as intenções por trás de tantos holofotes, câmeras, flashs e microfones. Nem todos fazem parte do espetáculo, como nem todos comem pipoca sob a lona do circo. Mas todos compraram ingressos, direta ou indiretamente.
Enquanto que a premissa do jornalismo investigativo espalha seus tentáculos mais pretensamente poderosos do que a própria justiça, a imprensa marrom esbanja sua habilidade inescrupulosa de mexer nos esgotos da escatologia humana. Em meio a um verdadeiro bombardeio de hipóteses pirotécnicas, Isabella jaz sobre a pedra fria do Instituto Médico Legal da sociedade brasileira. Os anjos e arcanjos que vieram conduzir a sua alma para um altiplano, agora travam uma batalha bizarra contra os urubus bem intencionados, que teimam em escavar os milímetros de sua tragédia.
Todos nós morremos um pouco mais ao lado desse pequeno corpo aviltado. Morremos de vergonha, por tanto nos esgueirarmos sorrateiramente em busca do último suspiro espetaculoso, em diversos ângulos, com montagem e trilha sonora de alta definição. Morremos de selvageria, quando procuramos um átimo de monstruosidade no pai e na madrasta, para, com precisão cirúrgica, massacra-los impiedosamente, em nome da justiça e da inconformação de sermos tão hediondos. Morremos de egoísmo e soberba, quando olhamos sorrateiramente para os quartos de nossas casas e achamos sinceramente que temos uma família toda pura.
As justificativas são muitas: apresentar novas testemunhas para ajudar nas investigações; fomentar um juízo leviano para provocar uma reação em cadeia entre os homens de boa vontade; dissecar o cadáver do caso até a última parcela de vísceras, para que o exemplo perdure em nossa memória insana; aproveitar o momento para brindar a audiência com a mais isenta das reportagens; narrar a dor alheia e a histeria coletiva em nome de uma sociedade mais justa. Tudo isso com muita comoção e espanto. No entanto, quem de nós justifica tanta fome pela fantasmagoria do trágico, com suas ardilosas embalagens eletrônicas?
Isabella agora flutua no etéreo, embebida pela paz divina. Ela espera, com o equilíbrio enaltecido dos seres alados, pela última pá de sobriedade humana sobre o seu corpo frágil. Mas eis que alguém chama os comerciais e muitos buscam a geladeira.

Marcos Leonel

5 comentários:

  1. E aquele que não mais se comove,
    não se sinta monstro.

    Um abraço, meu camarada.

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  2. Marcos: não tenho nada mais a acrescentar. Logo você poderá me perguntar: e porque não te calas? Por um simples motivo: como se calar? Um texto exato sobre o momento, enquanto os obturadores estão em busca de luzes. Luzes negras.

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  3. Do livro da Bíblia ECLESIASTES Cap. 1, versículos 5 a 9, retirei as frases abaixo:

    O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; NADA HÁ, POIS, NOVO DEBAIXO DO SOL.

    Geração vai e geração vem; mas a terra permanece para sempre.

    Levanta-se o sol, e põe-se o sol, e volta ao seu lugar, onde nasce de novo.

    O vento vai para o sul e faz o seu giro para o norte; volve-se, e revolve-se, na sua carreira, e retorna aos seus circuitos.

    Todos os rios correm para o mar, e o mar não se enche; ao lugar para onde correm os rios, para lá tornam eles a correr.

    Todas as coisas são canseiras tais, que ninguém as pode exprimir; os olhos não se fartam de ver, nem se enchem os ouvidos de ouvir.

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  4. Marcos, acredito que a imprensa do Brasil tem um pacto com o DEMO (povo), que se defende pela DEMOcracia, onde a audiência sobe ou desce para o INFERNO, onde o telespectador é DEMOlido na sua total ignorância.

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  5. Valeu Ludugero!
    Um abraço a todos que postaram seus comentários!
    Estive um pouco ausente devido às necessidades da profissão.

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