Quando o trajeto do êxodo fez zig zag, seus viajantes culparam o líder da marcha. O conceito resumido nesta frase justificaria todo o cabedal intelectual, construído aqui no sudeste, para culpar as elites nordestinas pela miséria nacional. É bem verdade que alguns tipos são bem merecidos focos da ira, mas não menos também o seriam alguns personagens da Avenida Paulista, de Copacabana, Ipanema ou Barra da Tijuca. Pois foi assim numa mesa de conversa nas proximidades do alto Leblon (aquela parte da floresta do Morro Dois Irmãos invadida por empreendimentos para ricos e que hoje se encontra com o avanço da Favela da Rocinha). Uma saliente intelectual, dedicada à análise da violência, após alguns sucos de lima da pérsia, gelo e uma boa quantidade da "mardita".
Quando tudo ia bem no centro das garfadas de uma excelente feijoada, um vulcão desceu corroendo as encostas e os morros inundados de nordestinos. A intelectual acusou-os da miséria do Rio de Janeiro, da violência sem igual, do cotidiano no qual apenas se vive no intervalo da morte. E aí, da verve da intelectual, brotaram tantos adjetivos depreciativos como se fora todo um roseiral em floração. Foram tantos que nem nos próximo 500 anos, os borbotões de qualificação ao contrário poderão "purificar" o genitivo para o ser nordestino.
Por último, dada a presença óbvia de nordestinos na sua mesa, ela retornou ao tema, com a voz pastosa, num gargarejo que tudo era a elite nordestina. Na ocasião entendi. Não é a elite nordestina que incomoda esses intelectuais dos centros decisórios do Brasil. As elites nordestinas há muito deixaram de ser protagonistas da história nacional. Tão somente grafam com a caneta maldosa da política paulista, carioca e mineira. Fora um certo deslumbramento da pequena classe média regional (nos seus apartamentos que lembram os jardins suspensos da babilônia), o nordestino incomoda porque migra. Migra e vem para a soleira da porta dos intelectuais "clean". Os intelectuais que não imaginam um povo, apenas apresentam normativos inalcançáveis sem renda mínima e sem democracia popular verdadeira.
Eis um novo tipo de pensamento gestado nas academias nacionais. Um intelectual que pousa de "especialista" nos noticiosos das televisões, assinam colunas nos grandes jornais e são "convidados" para os convescotes promovidos com a finalidade de apontar o dedo para o outro. Mas não tem como negar e todos se preparem. O que acontece na África do Sul com os assassinatos de migrantes, a céu aberto nos becos das ruínas humanas, não se diferencia da revolta recente do Tibet; como também as "políticas" anti-migração dos países mais dinâmicos da União Européia. Os intelectuais "normativos" apenas repetem este estranhamento, que é o mesmo de Israelenses contra Palestinos, Americanos contra Mexicanos e aprofundam a razão para uma perseguição que ocorre ali na esquina, e não lá nos supostos casarões da chamada "elite nordestina".
Isso é tão claro que hoje mesmo no jornal O Globo uma pesquisa demonstra, à exaustão, a "ignorância funcional" do nordestino. Isso pelos indicadores de analfabetismo, de escolaridade e proficiência após anos de estudo. Quem entende o valor humano como a sua simples presença, neste mesmo momento e no mesmo espaço, sabe o quanto tais textos desqualificam os nordestinos presentes. São textos tortos, malandros, com viés de verdade, que não tratam da questão central de toda análise social e econômica: a questão não é congelar o quadro é justamente modificá-lo. Qual o texto da revolução nordestina?
Não há. Apenas um pincel em tons de claro e escuro em que tudo é por que assim o é. Aí reside o perigo de certas "denúncias" da miséria nacional. Recordo, quando fui médico de uma favela aqui no Rio, o quanto a literatura de massa e a intelectualizada tratava de denunciar a manipulação popular, a inapetência do povo para a luta de soerguimento. Denunciava-se com tanta freqüência a derrota popular, que se revelava o verdadeiro objetivo da denúncia: não adianta mesmo. Tudo ficará do mesmo modo. A prova era tanta que incursões ilegais da polícia militar eram feitas, invadiam-se lares sem mandato judicial, aprisionavam-se pais de família com enorme efeito humilhante diante dos filhos. E isso era uma política da elite carioca, elite que falava por meio do Jornal do Brasil, do Globo e da Televisão Globo.
Hoje mesmo no Globo, um burocrata do IBGE faz a famosa frase de efeito: o Brasil tem uma dívida histórica com o Nordeste, e parece ainda não saber com pagá-la. Que dívida meu camarada? Onde isso ficou contabilizado? Não se trata de pagar dívidas, até por que em nenhum lugar o Brasil é homogêneo; existem sudestes no nordeste, sul no centro-oeste e nordestes no norte. O problema continua o país inteiro, tratando de suas prioridades em todo o seu espaço nacional, especialmente o educacional. A única dívida que pode existir é essa da acumulação desenfreada da renda, do empobrecimento da renda popular e da falta de investimento em fortes políticas sociais. E, atenção "especialistas", investir no capitalismo se traduz em valor monetário, vamos deixar de "besteirol" como "gastança" do governo, impostos sufocantes e outras traquitanas, que por dentro do discurso tramam contra o investimento social.
Minha mãe gosta de dizer : "Cá e lá , más fadas há !".
ResponderExcluirEssa pose de intelectual especialista é ridícula. Nesses sites que existem por aí, como por exemplo o Trópico, que abordam a música, existe uma postura muito caricatural, geralmente, no final do texto, vem a informação: Fulano de Tal, Mestre e Doutorando em Percepção Musical; professor da USP. Quando você vai ler o texto é uma bosta.
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