Parecem três nomes comuns de mulheres, destes que se encontra em qualquer livro de chamada de uma escola qualquer de ensino fundamental : Isabella, Luana, Elisabeth. A geografia caprichosamente as separou: Isabella de cinco anos residia em São Paulo; Luana da mesma idade, em Jardim, no Cariri cearense e Elisabeth, mora na Áustria, um dos paises mais desenvolvidos da Europa. Apartadas todas por tantos e tantos quilômetros, de repente se viram juntas pela história. A pequena Isabella foi esganada pela madrasta e lançada pelo pai do quinto andar do apartamento onde residiam. Luana foi terrivelmente estuprada e morta numa curra praticada , pasmem vocês, por funcionários de um parque de diversões. Elizabeth Fritz foi mantida em cativeiro oculto na sua própria casa e violentada pelo próprio pai, por mais de vinte e quatro anos e com quem teve sete filhos, três dos quais mantidos em cativeiro e com 19,18 e 5 anos jamais tinham visto o sol, a lua, as árvores, o rio. Estas tragédias impronunciáveis fecundaram os noticiários nos últimos dias e temperaram de amargo a vida de todos nós. Em pouco, no entanto, outras manchetes mais quentes tomarão de assalto as redações e em tudo se imprimirá um ar de falsa normalidade.
A tragédia, amigos, é bem maior do que a ponta do iceberg que imerge dos jornais. Todos anos duzentas e oitenta crianças são assassinadas no Brasil e em 85% dos casos, o homicídio é cometido por pessoas que vivem sob o mesmo teto com as crianças: pais, padrastos, madrastas são de longe os maiores homicidas. Pessoas que deviam cuidar e proteger os infantes, de repente, se transformam em cruéis assassinos. Não bastassem estes números assustadores, existe ainda um insuportável agravante neste crime. Acontecido na intimidade do lar , as testemunhas são todas íntimas , parciais e suspeitas: apenas uma parcela mínima desta violência chega à delegacia. São muitas as Isabellas anônimas.
Por outro lado, este crime não parece respeitar fronteiras geográficas, econômicas, culturais. Em todos os pontos do planeta as crianças correm perigo. Não bastam os eternos inimigos como : a miséria, a epidemia, a doença, a fome, a guerra civil urbana. Temos que nos preocupar mais que nunca com o chamado fogo amigo. E o mundo está repleto de pedófilos, infanticidas e maníacos de toda qualidade e estirpe.
Que fatores podem ter contribuído para esta louca e impensável violência ? Houve realmente um acréscimo na agressão infantil ou apenas temos uma divulgação mais pronta e abundante? As estatísticas neste ponto parecem pouco confiáveis, mas aparentemente as crianças se acham muito mais vulneráveis agora que em tempos passados. Por vários motivos. A família de hoje é muito mais complexa que a de outrora. Envolve filhos de vários casamentos, pais, padrastos, madrastas. E o nível de conflito e embate de emoções e frustrações várias parecem ser bem mais visíveis. Os pais e mães trabalham diuturnamente e já não podem acompanhar pari passu o desenvolvimento dos seus rebentos. Entram em cena vários outros atores que antigamente tinham um papel bem mais secundário na criação dos filhos : babás, professores, criados, amigos, parentes e afins. As megalópoles produziram, ainda, toda uma geração de solitários em meio à multidão: as feras da selva de pedra. A maratona da sociedade de consumo põe os louros na cabeça de poucos e alija ao esquecimento e à frustração imensas hostes que se sentem ínfimas e menores por não ter podido galgar o pódio. Ética & Moral são valores sem nenhuma importância no dicionário da modernidade e a lei só existe para quem não tem condição de comprar sentenças postas à venda, todo santo dia, no frio mercado das nossas relações humanas. A sociedade, por sua vez, tem se mostrado cada vez menos espiritualizada. Sem temor da justiça da terra ou do céu, a quem temer ?
Gibran dizia que : Nossos filhos não são nossos filhos. São os filhos e filhas da saudade da vida por sí mesma. Vivesse hoje talvez tivesse que acrescentar : são filhos da TV, do Videogame, da Internet, da Academia. Lançados ao mundo exatamente como uma inhambu que voa do ninho mal rompe a casca do ovo, lá vão eles sujeitos a todos os predadores possíveis e imaginários.
Uma vez um cacique do Xingu disse a Orlando Villas Boas que a raça dos caras-pálidas não tinha futuro nesta terra. Com tudo que temos visto ao nosso redor dá para se temer por sua previsão fatalista. Crescemos para fora: a tecnologia nos fez ganhar os céus, visitar outros planetas, curar doenças. Por dentro, no entanto, permanecemos mais primários que uma ameba. Assim, quando ao assistir às cenas de violência no noticiário, por favor não chamem Alexandre Nardoni, o velho Fritz ou os assassinos de Luana de animais. Isto é uma agressão imperdoável ao reino animal. Eles são bem mais desenvolvidos humana e emocionalmente que qualquer um de nós.
J.Flávio Vieira
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