terça-feira, 13 de maio de 2008

Marina sofreu bombardeio desde o 1º mandato de Lula

MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA

AO FINAL do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, já estava claro para quem quisesse ver que seu governo não merecia Marina Silva. A voz ao mesmo tempo frágil e firme da ex-doméstica que chegou a senadora permanecia solitária na Esplanada. Era a única a defender que o desenvolvimento econômico não pode ser obtido a qualquer preço, porque não seria de fato desenvolvimento.
Lula repetiu a estratégia Fernando Collor com José Lutzenberger. Pôs Marina Silva na vitrine do MMA (Ministério do Meio Ambiente) para neutralizar pressões internacionais contra o país pela destruição da Amazônia. Funcionou por algum tempo. Tempo demais.
Era fácil deixar a ministra falando sozinha sobre "transversalidade". Soava como (e era de fato) uma abstração insistir na necessidade de injetar a questão ambiental em todas as esferas de decisão e planejamento do governo. O desenvolvimentismo lulista seguiu em frente.
Foram muitas as batalhas perdidas. Primeiro, perante o Ministério da Ciência e Tecnologia, a dos transgênicos. Depois de anos de omissão do governo FHC quanto ao plantio de soja geneticamente modificada contrabandeada da Argentina, Lula capitulou diante do agronegócio e do lobby dos biotecnólogos, permitindo a comercialização do grão ilegal.
Em seguida vieram várias concessões, fracassos e derrotas do MMA: explosão do desmatamento (que chegou a 27 mil km2 em 2004, segunda maior marca de todos os tempos); licenciamento ambiental da transposição do São Francisco e das grandes hidrelétricas na Amazônia; a decisão de construir Angra 3 e outras quatro usinas nucleares...
Apesar disso, Marina Silva continuava como um conveniente bode expiatório. A certa altura, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) parecia ser o maior entrave ao desenvolvimento nacional. Pior que a taxa de juros mais alta do planeta, a julgar pelo bombardeio dos jornalistas de negócios e dos ministérios interessados em camuflar a própria inoperância.

Mãe do PAC, mãe do PAS
O MME (Ministério de Minas e Energia), onde começou a ser gestada a mãe do PAC e também o embrião de um apagão, capitaneava o canhoneio. Entre um mandato e outro, a artilharia quase derrubou Marina Silva. Havia até candidato preferido do MME, segundo se especulava na época: Jerson Kelman, diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). A proverbial raposa no galinheiro.
Marina Silva resistiu e ficou para um segundo mandato. Disse na época que o fez a pedido do próprio Lula. Afinal, o desmatamento na Amazônia vinha caindo, tendência que se confirmou ao longo do primeiro ano do segundo mandato. As cifras traumatizantes despencaram quase 60% em três anos. A ministra continuava bem na fita, pelo roteiro de Lula.
Aí começaram a surgir os primeiros sinais de que o desmatamento na Amazônia voltava a crescer. Era inevitável, diante da alta retomada no preço de commodities agrícolas, como soja, carne bovina e algodão. Enquanto isso, o frenesi dos biocombustíveis tomava conta do Palácio do Planalto.
Só os incautos acreditam que a expansão da produção será obtida apenas com aumento da produtividade e ocupação de áreas degradadas de pastagem. O empreendedor rural se dirige para onde encontrar a melhor combinação de terra e mão-de-obra baratas, solos férteis, topografia favorável e infra-estrutura logística. Soja e cana não desmatam a Amazônia, mas a pecuária, sim -e como.
Diante do trator pilotado pelo Ministério da Agricultura e teleguiado da Casa Civil, o espaço de manobra de Marina Silva se restringiu ainda mais. Nem ela fala mais em transversalidade, embora não deixe de apontar os riscos do excessos de entusiasmo com a expansão do agronegócio.
Os sensores de satélites, capazes de discernir florestas de verdade das áreas em processo de degradação, não se enganam a respeito. O desmatamento está em alta. É indiferente para eles que Lula, Dilma Rousseff e Marina Silva tenham lançado há poucos dias o enésimo programa desenvolvimentista, mais uma compilação de ações anteriormente providenciadas, e o batizem como PAS (Plano Amazônia Sustentável).
Lula tentou fazer blague na cerimônia, afagando a "mãe do PAS". Ao mesmo tempo, designou o ministro Roberto Mangabeira Unger (aquele do aqueduto ligando a Amazônia ao Nordeste) para coordená-lo.
O presidente ainda jactou-se de estar "criando uma nova China aqui". A infeliz frase presidencial -mais uma, apenas- não deve ter sido a causa do pedido de demissão da ministra. Mas nunca esteve nos planos de Marina Silva ajudar a armar a segunda maior bomba-relógio ambiental do planeta.

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