sexta-feira, 6 de junho de 2008

TREMEMBÉ DANDO UMA DE DIHELSON

Não se trata de patologia. De uma esquiz(o) como diz o Houaiss. Na verdade Tremembé continua como Deus, um ser indivisível. Mas em certos dias o intelectual tinha seus momentos de Pai de Santo. Era como se recebesse o espírito de outro. Mas não era necessário que o outro fosse de outro mundo, ele recebia os outros deste mundo de aqui e de agora.

Pois bem. Naquele domingo Tremembé acordou naqueles dias de Dihelson Mendonça. No fundo da alma desconfiava que a razão seria aquele ruído infernal do forró ecoando pelo vento praiano de Paracuru durante toda a madrugada insone. E Tremembé ainda tinha destes azares que acometem algumas pessoas. Se dormiu umas duas horas e algo, pode até ser um sonho ruim, o acorda,....cadê canto para conciliar o sonho do professor. Nestas noites fica com o corpo ralado de tanto girar na rede.

Tomou um café de gosto ácido e comeu uma tapioca com paladar de papelão. Manteiga com sabor de sebo e escovou os dentes com pasta de consistência passada. Lembram aqueles pedaços endurecidos e brancos da goma lavada? Saiu de casa. Olhou para o quintal e apurou a visão tão distante que encontrou Flávio multiplicado no rosto de todas as pessoas de Matosinho. Dos galhos do cajueiro Tremembé, apesar daquele momento um tanto quanto, viu cair uma chuva da sua pequenina flor branca se arranjando no ar como caleidoscópio assim como os poemas de Socorro Moreira.

Ainda preso na observação do local, o intelectual de ar avexado, viu um cassaco urinando no de bogari, mudando de odor como os contos do Lupeu Lacerda fazem. Passou uma lagartixa com ar de azia, uma pitada no cigarro e uma pedra arranhando o colédoco sob o efeito de um antiespasmolítico ao verso e reverso do Domingos Barroso. O trono majestático das raízes da Timbaúba, onde uma dinastia ordena o mundo à vontade de Deus enquanto este pisa firme na cabeça da cobra antes que de suas presas gotejem Chávez, Castros e Petistas que armazenam estas decadências republicanas, golpistas e laicas.

Tremembé examina a vazão de uma das torneiras de seu quintal que recebe os pingos contínuos que dela escapam e fazem uma mancha úmida no arenito do terreno. Um arabesco aleatório forma-se com aqueles pingos que afastam os grãos da areia, um do outro, o outro do outro, mas se juntam numa beleza mourisca tal qual um sonho do Carlos Rafael. De um salto o olhar acompanhou um sagüi entre os altos galhos da mangueira, entre uma manga e outra, aparecendo e sumindo como um Salatiel este pai de Zorobabel. E a coleção de flores, no centro do jardim de Tremembé, quando se examina uma a uma são tantas e diferentes; cada uma nega a próxima, dada a diversidade, mas do distante em que se encontra uma vida, uma alma, não existem luas que transformem o lobo em homem ou o homem em lobo. Nenhum dos dois parecem ser, são sobretudo flores do sertão que parecem nascer no meio da Avenida Paulista.

E olha a trepadeira. Procurando encobrir o garajau feito para ela se enroscar. Penetrar por uma trama e sair noutra, volteia a tábua de madeira e fia o arranjo cada vez mais. Parece saber tanto bordado distinto mas é engano, repete continuamente o formato côncavo do seu belo vale de nascença tão distante e tão presente no nome próprio. Tremembé acordou vendo tudo como é da natureza dos olhos, mas desejava que junto deste sentido não existisse a audição. Mas ela teimava em ser Tremembé.

Foi comprar algo na loja de material de construção. Aliás, algo não, uma miuçalha de coisas de eletricidade e hidráulica. A loja era como os supermercados, as mercadorias organizadas nas gôndolas para auto-atendimento. Tremembé não tinha o menor treinamento para distinguir uma peça da outra, uma que sirva para outra. Parou no balcão de entrada para solicitar ajuda a uma das atendentes.

é que o Dihelson baixou na alma de Tremembé. Tocava uma banda de forró destas que misturam substantivos no nome e fazem letras adjetivadas. Têm sempre uma rima para amor, um abandono de paixão ou uma grosseria de sedução. Concentrado no espírito musical que em si baixara, Tremembé, zonzo como se estivesse no centro da revoada de milhares de frangos de granja. Todos iguais. Aquela música era a mesma com outras letras, feito calças jeans de tamanhos diferentes.

Tremembé não suportou o ar balançante da jovem atendente. Como ela poderia se animar com aquela repetitiva música?

- Você gosta disso?

- Gooosto!

- Mesmo? Não é sempre a mesma música?

- Èéééééééééé´....

- Eu acho a letra um desastre!

- Eu também acho!

- E porque você gosta?

- É ritmo!? Vontade de dançar!

Quando Tremembé me contou isso, logo perguntei o que ele queria me dizer com tal história. Ele respondeu:

- Não é nada não. Apenas falta de assunto.

3 comentários:

  1. Zé do Vale do Paraíba,

    Bem, Tremembé se perdeu no final, quando poderia naquele clímax de falta de horas sono, revoadas de frangos de granja, visões de Zé Flávio misturadas, e todo tipo de aporrinhações, dizer algo mais produtivo àquela mocinha. Imagina se por falta de assunto esse Tremembé tendo baixado meu espírito, jamais iria pra casa com uma resposta daquelas "é porque é dançante ??????"
    rsrsrsrsrsrsrsrsrs
    eheheheheheheheeheh

    Só sabe o que é isso, quem já teve o desprazer de ler os pensadores, Platão, Nietsche, Kant, Freud, Einstein, lidar com pensamentos sinfônicos e problemas de difícil solução, como transformar inteligentemente uma passagem de um acorde de dominante de Fá sustenido com sétima e quinta aumentada para si menor, que seria o normal, para uma conotação de dó menor com nona e resolução cromática para si menor com quarta. Construir inteligentemente uma escala que envolva essa solução o melhor possível,....

    quando absorto naquele problema, se é brutalmente interrompido por uma voz que não é do além, mas é do aquém que vem explodindo da vizinhança:

    "beber...cair...levantar..."
    Tum tum tum
    "beber...cair...levantar..."
    Tum tum tum
    "beber...cair...levantar..."
    Tum tum tum
    "beber...cair...levantar..."
    Tum tum tum
    "beber...cair...levantar..."
    Tum tum tum
    "beber...cair...levantar..."
    Tum tum tum
    "beber...cair...levantar..."
    Tum tum tum
    "beber...cair...levantar..."
    Tum tum tum
    "beber...cair...levantar..."
    Tum tum tum
    "beber...cair...levantar..."
    Tum tum tum

    Apesar disso, a vida é bela e nem todos merecem morrer, só esses desgraçados!

    Abraços,
    e obrigado pela inserção no texto, grande Zé do Vale!

    Dihelson Mendonça

    ResponderExcluir
  2. Oxalá, Tremembé!
    Agora és personagem imortal -
    tal qual um blues ao entardecer.
    Um abraço, José.

    ResponderExcluir
  3. Que ótimo , vc ter encontrado em Paracuru , um Tremembé , com qualquer coisa de nosso . Assim também são as pessoas , quando vivem o riso, a beleza , a angústia ... Pensam de imediato, num certo moço do Cariri , que a vida exportou pras bandas do sudeste ... Seria um Tremembé , encorporado no Zé ?



    Beijo !

    Acho tão gentil , essa falta de assunto , que faz florescer em todos o afeto e a boa prosa !

    * Tremembé, em tupi significa alagadiço .

    É muito bom mergulhar , nos teus escritos alagadiços ! São poças , que marejam luz !

    ResponderExcluir