Leninha in Blues, o Show
Eu não sei necessariamente quantos mistérios existem na afirmação categórica de que o Cariri é o berço da cultura. Sei que essa afirmação tem um arcabouço e tanto de inferências. Nem sempre existe consenso sobre isso. E não deve ter mesmo. A questão deve sempre ser mantida em aberto, principalmente quando ela, a cultura, parece sofrer um cerco aniquilador jamais visto em nossa história. Mais um exemplo foi dado ontem, no novíssimo teatro do Sesc, em Juazeiro do Norte, o cartaz anunciava Leninha in blues.
O show estava lá. O público não. Vergonhosamente não. Ao todo eram 12 pessoas, sendo público mesmo eu e Mônica, minha mulher; mais Jean Nogueira e Socorro Moreira. Os outros eram ou parentes de Tiago Correia - guitarrista de Fortaleza, que acompanhou Leninha, junto com Manel de Jardim, a lenda – ou integrantes da equipe de produção do Sesc. Depois do show iniciado apareceram mais alguns outros, não mais do que seis e que desapareceram antes mesmo do show terminar.
Leninha foi de uma dignidade sem tamanho. Fez o seu show com uma entrega artística rara nos dias atuais, em que qualquer banda merda de barzinho assume os ares de personalidades máximas do show busines, com direito a poses cretinas e comunidades orcutais, assim mesmo, com as mesmas letras que escrevem orifício. Mesmo a apresentação contendo algumas restrições, o trio se superou em dignidade.
Daí os velhos questionamentos: faltou público por causa da atração? Ou foi por causa do formato, sem banda? Ou será que não foi por causa do repertório de Leninha, que sempre repete as mesmas músicas de Janis Joplin e Cazuza? Ou por causa da produção? Ou ainda por causa da divulgação, eterno problema em se tratando de Sesc, (basta lembrar todas as edições das Mostras)? Para muitos esse pode ser um terreno minado, exatamente por causa dos mimos, essa estranha força que assola a lona colorida do circo artístico caririense. Para mim, não.
Antes de mais nada é preciso saber com quantos reais é feita uma produção dessas, bem como quais são realmente os interesses em jogo. A verdade é que santo de casa não caga milagres. Cagam os de fora, recebem cachê significativo, tratamento de estrelas sem nenhum céu e depois saem daqui com a certeza de que estiveram em uma província. Ainda no campo das abastanças, basta lembrar o último show do “Nação Zumbi” ou o último show do “Trio Sotaque”, duas porcarias ambulantes aplaudidas por muitos. O fato é que aqui existe muita produção de gabinete, de edital e de projetos institucionais.
Outra reflexão imediata é sobre o público. Essa mesma produção trabalhou em um grande espetáculo: “Femininas”, muito bem produzido, com quatro das melhores cantoras do Cariri cantando bossa e outras ondas. Da mesma forma o público não compareceu. Da mesma forma o público também não comparece para prestigiar o que é caririense nas Mostras e nem na maioria dos espetáculos produzidos pelo Centro Cultural do BNB. Agora, basta trazer qualquer enganação de fora que o público aparece. Isso é culpa dos artistas ou da produção?
Leninha é uma cantora excepcional e uma compositora de talento, não precisa provar nada para ninguém. Mas ela precisa urgentemente mudar o seu repertório. Suas releituras de clássicos de Janis Joplin e de outros “clássicos” dos barzinhos, tornaram-se enfadonhas. Todo o seu talento deveria se voltar para suas composições, com banda completa. Mesmo assim o seu desempenho foi magistral. Nesse show ela deu mostra de toda a sua experiência de palco e de toda a sua força como bandlead, usando e abusando de gags vocais, técnicas de microfone, modulações e falsetes de tirar o fôlego. Leninha estava solta, impecavelmente talentosa, mas dentro de um repertório impecavelmente manjado.
Manel de Jardim no baixo e no violão fez parceria com Tiago Correia na guitarra. Dois músicos excelentes, mas em determinados momentos desentrosados. Se o número de ensaios não foi suficiente para dar unidade total, a carga de talento foi muito generosa para dar um tom todo especial ao show. Muitas improvisações inspiradas. Tiago tem um fraseado fácil, rockeiro, sem a caretice insuportável das vídeo-aulas, que formam guitarristas às dúzias aqui no Cariri e nas mais distantes cafuçulândias. Manel de Jardim dispensa comentários.
Eram 12 pessoas apenas e uma população flutuante mínima. Em compensação ao fiasco de público o palco estava lotado por uma multidão de talentos e uma infinita dignidade da maior e mais afinada cantora caririense. Leninha canta porque sabe e não porque no meio do show manda abrir uma rodinha para a natureba dançar uma ciranda.
Marcos , quero abraçar você , e descubro que você é do tamanho do mundo !
ResponderExcluirFalou!
Vc toca numa questão das mais relevantes. O grosso da população caririense é totalmente afastada da Cultura Caririense. Os artistas locais parecme meros fósseis. Mesmo com o trabalho desenvolvido pelo SESC e pelo BNB, com ingressos grátis, o povo não aparece. Qualquer Banda de Forró lota um estádio. Barzinhos com música sertaneja ( como a Chopperia do São Luiz) se entope de gente para ouvir porcaria. As escolas não estudam os autores caririenses e a URCA (e se diz regional) não coloca nenhum autor caririense nos seus vestibulares. As nossas rádios não tocam os discos de nossos artistas. É desalentador. Precisamos entender como Pernambuco conseguiu fazer com que sua cultura passasse a fazer parte, novamente, do cotidiano das pessoas. Pra isso precisamos de Política Cultural e, aqui no Ceará, incentiva-se apenas o Forró estilizado, pensando no turismo sexual. Venham dançar nosso forró e comer nossas meninas !
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