sábado, 13 de setembro de 2008

Um exemplo para os demais países da América Latina


JEITINHO DE XANGAI
O edifício mais alto da América do Sul está em construção em Santiago: reflexos da riqueza

Data marcada para ser rico
Graças à economia aberta e à estabilidade política, o Chile já pode fazer as contas: em 2020, o país terá padrão de renda de Primeiro Mundo
Thomaz Favaro, de Santiago
O Chile vive uma perspectiva de deixar os vizinhos mortos de inveja: a de entrar para o time dos países ricos em curtíssimo prazo. Mantido o ritmo atual de crescimento, faltam apenas doze anos para o país atingir 21000 dólares de renda per capita. Esse patamar de renda – o triplo do brasileiro – é o mínimo exigido para um país ser considerado de Primeiro Mundo. A previsível mudança de categoria na comunidade internacional é fruto de duas décadas em que a economia chilena cresceu a uma média anual de 5,2%, superior ao índice regional de 2,6%. Nesse período, as taxas de criminalidade e de pobreza tornaram-se as mais baixas da América do Sul. Estima-se que em 2020, quando o país deve entrar no grupo dos desenvolvidos, seus indicadores sociais estejam iguais aos da Nova Zelândia, um dos melhores do mundo.
A receita de sucesso – que bem poderia ser adotada como referência pelos vizinhos – é um modelo econômico e político cuja estabilidade se mantém há duas décadas. O Equador, com a mesma população do Chile, teve sete presidentes nos últimos dez anos. A renda dos equatorianos, que na década de 80 era igual, hoje é um terço da chilena. Desde 1990, os índices de pobreza no Chile despencaram de 38,6% para 13,7% da população e a indigência está próxima de ser erradicada. Cada ponto porcentual de aumento do PIB representou uma diminuição de 1,5 ponto na taxa de pobreza. Nenhum outro país da América Latina conseguiu ganhos tão rápidos na área social ou tem chance de chegar em tão curto prazo ao Primeiro Mundo.
Com a redução da pobreza, o Chile conseguiu criar uma classe média robusta. A classe C, considerada a porta de entrada para a sociedade de consumo, representa 51% da população, contra 46% no Brasil. Se morasse aqui, essa parcela de chilenos seria contada como classe A ou B, pois sua renda média familiar é quatro vezes a brasileira (2 500 dólares, contra apenas 620 dólares). Três em cada quatro chilenos moram em casa própria. A desigualdade social, medida pelo índice Gini, ainda é alta, mas está em queda desde 2000. A ascensão da nova classe média chilena pode ser testemunhada nos bairros mais afastados da capital. Em Colina, uma antiga favela na periferia de Santiago, a taxa de pobreza caiu de 29% para 12% em apenas seis anos. O foco na educação é o que vai dar sustentação de longo prazo para a redução da pobreza. Hoje, os jovens chilenos de bairros pobres têm 2,5 vezes mais anos de estudo que seus avós e 50% mais que seus pais. A educação primária e a secundária foram universalizadas, e sete em cada dez universitários são os primeiros de suas famílias a alcançar esse nível de ensino. Há no país um sistema que estimula a concorrência de escolas públicas e privadas por alunos e verbas do governo.
As medidas econômicas que colocaram o Chile à frente de seus vizinhos foram impostas em um contexto autoritário pelo general Augusto Pinochet. O ditador pôs um freio à nacionalização de empresas e à coletivização de terras do presidente anterior, o socialista Salvador Allende, aboliu o controle de preços e privatizou mais de 400 estatais. Com cortes no gasto público e um banco central independente, o país controlou a inflação, que chegou a alcançar três dígitos na década de 70. Essas foram as sementes para a criação de um ambiente excepcional para negócios no país, aprimorado a partir de 1990. "A sabedoria dos governos democráticos foi reconhecer a qualidade da política econômica da ditadura e conservá-la", disse a VEJA o ministro das Relações Exteriores, Alejandro Foxley. Segundo um ranking do Fórum Econômico Mundial, o Chile tem uma economia mais competitiva do que a de países europeus como Espanha e Itália.
Em uma região onde a atenção externa é roubada por populistas como o venezuelano Hugo Chávez, as regras claras para negócios no Chile fazem do país um local seguro para os investidores. Não por acaso, o Chile desfruta há mais de uma década o grau de investimento que o Brasil tanto comemorou neste ano. O americano Hans Schmidt, dono do Marco Group, construtora de barcos fundada em 1953 em Seattle, transferiu a produção de megaiates da empresa nos Estados Unidos para o estaleiro de Iquique, no norte do país. "Já tive experiências com outros países da América do Sul e sei que o Chile é de longe o melhor para fazer negócios na região", diz Schmidt. Essa qualidade permitiu ao país superar as limitações do pequeno mercado interno – de apenas 16 milhões de habitantes, menos de um décimo da população brasileira, com um PIB menor que o do estado do Rio de Janeiro – para se tornar uma economia de exportação.
Como resultado, o Chile livrou-se de sua dependência em relação ao cobre, cuja participação nas exportações passou de 70%, nos anos 70, para 45%, hoje. Entre 1990 e 2002, o número de produtos na pauta de exportações aumentou 63%.
A contribuição do governo chileno para esse modelo de sucesso está na busca incessante e pragmática por novos parceiros comerciais. Segundo a Fundação Heritage, dos Estados Unidos, o Chile é uma das dez economias mais abertas do planeta. Com o tratado de livre-comércio com a Austrália, firmado em julho, o Chile conta agora com acordos bilaterais com 57 países. Para os empresários chilenos, isso significa poder vender com tarifas reduzidas a 85% do PIB mundial. Nos últimos anos, o foco dos acordos comerciais chilenos voltou-se para a Ásia. "Além de aumentar o volume de comércio e atrair mais investimentos da região que mais cresce no planeta, o Chile quer ser um ponto de articulação e de passagem entre a América do Sul e a Ásia", comenta Carlos Furche, diretor-geral de relações econômicas internacionais do Chile. Furche já participou da negociação dos tratados de livre-comércio (TLCs) com os principais países asiáticos – China, Japão e Índia. Vietnã, Malásia e Tailândia serão os próximos. Como sempre, o governo inclui nos tratados o vinho como um dos produtos a ganhar o benefício da tarifa zero. A estratégia fez com que, nos últimos vinte anos, o Chile se tornasse o maior exportador de vinhos do continente americano, superando a Argentina e os Estados Unidos.
Há, no Chile, um consenso de que esse é o rumo que o país deve continuar tomando daqui para a frente. "Já não existem reformas grandes a ser feitas, apenas ajustes pequenos em setores específicos e uma melhora na eficiência do estado", diz a economista Rosanna Costa, que trabalha em um centro de pesquisas ligado à Aliança por Chile, coalizão de centro-direita, de oposição. Nos últimos meses, um inimigo público uniu os chilenos: a inflação anual atingiu a taxa de 9,5%, a quinta mais alta da América do Sul, atrás de Venezuela, Bolívia, Equador e Argentina. Esse índice é mais do que o dobro do limite de 4% estipulado como meta pelo banco central. "O Chile, que já vinha pressionado pelo excesso de demanda interna, foi pego de surpresa pela alta do preço dos alimentos e dos combustíveis no cenário internacional", explica Rosanna. Para piorar, demorou para que o banco central começasse a elevar as taxas de juro e o governo da presidente Michelle Bachelet continuou aumentando os gastos públicos. Se não se cuidarem, os chilenos correm o risco de ver anos de trabalho engolidos pelo dragão inflacionário. Seria uma pena para uma economia cuja exuberância está até ganhando um monumento de aço e concreto na capital, Santiago: o maior edifício da América do Sul, um centro comercial em fase de construção cuja torre principal terá setenta andares e 300 metros de altura – apenas 20 metros menos que o Chrysler Building, de Nova York.
(Revista VEJA, edição 2078, 17 de setembro de 2008)

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