O MAU EXEMPLO BOLIVIANO
Otavio Luiz Rodrigues Jr (*)
Os jornais brasileiros dedicam espaços generosos à crise política na vizinha Bolívia. Bloqueio de estadas, interrupção no fornecimento de gás, piquetes e acusações de separatismo e discriminação. A sensação que se tem é a de estar diante da Torre de Babel, rediviva em pleno território latino-americano. Muito do que se observa hoje na terra de Evo Morales guarda coerência com acontecimentos do passado. Na realidade, a Bolívia é um país, no mínimo, singular.
Sem saída para o mar, cujo acesso foi perdido em uma guerra contra o Chile no século XIX, a Bolívia possui uma Marinha de Guerra. E um almirante! Do Lago Titicaca. O país expulsou o embaixador britânico em 1866. A rainha Vitória quis retaliar militarmente, mas foi dissuadida por seus ministros ante a insignificância estratégica da nação. Vitória teria apontado para o mapa e dito: "A partir de hoje, a Bolívia não existe mais". Um presidente boliviano, sincero admirador da França, organizou dois batalhões e seguiu marchando pela floresta por dois dias para socorrer o imperador Napoleão III, que lutava contra a Prússia. Só interrompeu a expedição quando lhe disseram onde ficava a França e que teria de atravessar o oceano Atlântico.
No século XX, a família boliviana Patiño era uma das mais ricas do mundo na exploração de estanho. Seus membros casaram-se com a nobreza européia e alguns tornaram-se "playboys" internacionais, ao lado de Porfírio Rubirosa. Em 1935, os bolivianos foram derrotados pelos paraguaios na Guerra do Chaco, com perda de extensa faixa de território. O resultado? Um desconhecido capitão, de nome Alfredo Stroessner, tornou-se herói nacional por liderar um ataque decisivo nessa guerra. Anos depois, Stroessner chegaria ao poder no Paraguai e nele permaneceria por quase 40 anos. Aos que se assustam com Evo Morales e suas políticas de divisão nacional, recordem-se que, em 1952, uma rebelião dissolveu o Exército, estatizou as minas e fez uma reforma agrária que abrangeu quase todo o País. A conseqüência? Pilhagens, rebeliões e massacres da população branca e de algumas etnias indígenas por outros índios.
Esses relatos, além de tragicamente pitorescos, servem para desconstruir duas inverdades ora repetidas à exaustão sobre a crise boliviana: a noção de que Evo Morales combateria forças reacionárias, de origem branca, em nome da distribuição igualitária de renda, e a visão de que os índios finalmente chegaram ao poder. Ambas as afirmações são equívocas. Os índios foram - e continuam sendo - os grandes protagonistas das principais rebeliões ocorridas no país, desde seu nascimento. Na verdade, muitos dos massacres ocorreram pela ação de índios contra índios. As tentativas de expropriação de bens privados, dentre esses os da Petrobrás, nunca chegaram a um resultado positivo. Apenas desarticularam a produção e atrasaram o país, ainda mais.
Um mérito pode ser atribuído a Morales: é perceptível a queda do nível de corrupção, um dos elementos desencadeadores de sua vitória eleitoral. Sua probidade pessoal, até o momento, é um elemento digno de respeito e tem influenciado no crescimento da Bolívia. No entanto, seu discurso baseado no ódio racial e na desforra histórica dos índios - a qual, como visto, não é verdadeira - conduziu sua nação ao estado atual de crise.
A única certeza é que essa não será a última das insurreições bolivianas. A esperança é que o modelo segregacionista de Morales não sirva de exemplo ao Brasil, que já possui problemas demais para importar o mau exemplo boliviano.
(*) Otavio Luiz Rodrigues Jr é doutor em Direito Civil (Universidade de São Paulo), membro da Asociación Iberoamericana de Derecho Romano, Oviedo, Espanha, professor universitário em Brasília (IESB, IDP) e Fortaleza (FA7).
(Artigo publicado no "Jornal do Cariri", edição 16 a 22 de setembro de 2008)
Sem saída para o mar, cujo acesso foi perdido em uma guerra contra o Chile no século XIX, a Bolívia possui uma Marinha de Guerra. E um almirante! Do Lago Titicaca. O país expulsou o embaixador britânico em 1866. A rainha Vitória quis retaliar militarmente, mas foi dissuadida por seus ministros ante a insignificância estratégica da nação. Vitória teria apontado para o mapa e dito: "A partir de hoje, a Bolívia não existe mais". Um presidente boliviano, sincero admirador da França, organizou dois batalhões e seguiu marchando pela floresta por dois dias para socorrer o imperador Napoleão III, que lutava contra a Prússia. Só interrompeu a expedição quando lhe disseram onde ficava a França e que teria de atravessar o oceano Atlântico.
No século XX, a família boliviana Patiño era uma das mais ricas do mundo na exploração de estanho. Seus membros casaram-se com a nobreza européia e alguns tornaram-se "playboys" internacionais, ao lado de Porfírio Rubirosa. Em 1935, os bolivianos foram derrotados pelos paraguaios na Guerra do Chaco, com perda de extensa faixa de território. O resultado? Um desconhecido capitão, de nome Alfredo Stroessner, tornou-se herói nacional por liderar um ataque decisivo nessa guerra. Anos depois, Stroessner chegaria ao poder no Paraguai e nele permaneceria por quase 40 anos. Aos que se assustam com Evo Morales e suas políticas de divisão nacional, recordem-se que, em 1952, uma rebelião dissolveu o Exército, estatizou as minas e fez uma reforma agrária que abrangeu quase todo o País. A conseqüência? Pilhagens, rebeliões e massacres da população branca e de algumas etnias indígenas por outros índios.
Esses relatos, além de tragicamente pitorescos, servem para desconstruir duas inverdades ora repetidas à exaustão sobre a crise boliviana: a noção de que Evo Morales combateria forças reacionárias, de origem branca, em nome da distribuição igualitária de renda, e a visão de que os índios finalmente chegaram ao poder. Ambas as afirmações são equívocas. Os índios foram - e continuam sendo - os grandes protagonistas das principais rebeliões ocorridas no país, desde seu nascimento. Na verdade, muitos dos massacres ocorreram pela ação de índios contra índios. As tentativas de expropriação de bens privados, dentre esses os da Petrobrás, nunca chegaram a um resultado positivo. Apenas desarticularam a produção e atrasaram o país, ainda mais.
Um mérito pode ser atribuído a Morales: é perceptível a queda do nível de corrupção, um dos elementos desencadeadores de sua vitória eleitoral. Sua probidade pessoal, até o momento, é um elemento digno de respeito e tem influenciado no crescimento da Bolívia. No entanto, seu discurso baseado no ódio racial e na desforra histórica dos índios - a qual, como visto, não é verdadeira - conduziu sua nação ao estado atual de crise.
A única certeza é que essa não será a última das insurreições bolivianas. A esperança é que o modelo segregacionista de Morales não sirva de exemplo ao Brasil, que já possui problemas demais para importar o mau exemplo boliviano.
(*) Otavio Luiz Rodrigues Jr é doutor em Direito Civil (Universidade de São Paulo), membro da Asociación Iberoamericana de Derecho Romano, Oviedo, Espanha, professor universitário em Brasília (IESB, IDP) e Fortaleza (FA7).
(Artigo publicado no "Jornal do Cariri", edição 16 a 22 de setembro de 2008)
Creio que a análise de Otávio Luiz é muito próximo da "verdade concisa", e também que Evo Morales, legítimo líder dos indígenas bolivianos e "presidente de todos os bolivianos", tem uma chance histórica de negociar com a oposição.
ResponderExcluirOntem à noite, FHC foi entrevistado no Programa Jô Soares. Ele disse, que com a experiência que tem: "A única coisa que um presidente não pode fazer é dividir a nação. O presidente é para congregar."
ResponderExcluirOra, a única coisa que o "cocaleiro" Evo fez foi dividir (literalmente) a Bolívia.
O que não é de admirar de uma pessoa monitorada pelo ditador Hugo Chávez!