domingo, 12 de outubro de 2008

Lula

08/10/2008
Lula colhe os frutos das políticas de Estado aplicadas no Brasil

Jorge Marirrodriga
Em Buenos Aires (Argentina)

O presidente do Brasil gosta de dizer que "Deus é brasileiro". E os que o escutaram nos últimos dias durante a campanha para as eleições municipais, realizadas no domingo, começam a se perguntar até que ponto Luiz Inácio Lula da Silva fala brincando ou a sério. Porque a verdade é que o gigante sul-americano, eternamente a ponto de decolar, parece ter alçado vôo definitivamente. E não só em termos econômicos ou de estabilidade política. O Brasil assumiu a responsabilidade de exercer ativamente a liderança regional, pondo em prática uma doutrina empunhada por todos os governos do país, segundo a qual a América do Sul é a área de influência estratégica desse país.Vendo a trajetória do Brasil nos últimos anos, poucos lembram que apenas em 2002, quando Lula estava prestes a chegar à presidência do país na liderança do Partido dos Trabalhadores (PT), o ex-sindicalista passou as últimas semanas de sua campanha eleitoral tranqüilizando os mercados financeiros e garantindo que o Brasil mudaria, mas as regras do jogo seriam respeitadas. Lula demonstrou que no Brasil existe uma realidade rara na América Latina: políticas de Estado. E o presidente mais popular do continente - em 13 de outubro receberá em Toledo (Espanha) o Prêmio Dom Quixote -, que lidera uma idéia de esquerda distante do populismo, está colhendo os frutos semeados por ele mesmo. Mas também assistiu à concretização de grandes projetos iniciados por seus antecessores.O Brasil se sente forte e seus vizinhos confiam nele. Um exemplo: a imagem registrada há duas semanas do presidente boliviano, Evo Morales, sentado à mesa de negociação junto com dirigentes regionais que negam sua autoridade e lideram um conflito que ameaça se transformar em guerra civil, só é explicável pela intervenção direta do presidente brasileiro e seu Ministério das Relações Exteriores.Outro dado: na semana passada, Lula transformou a cidade de Manaus no epicentro da futura rede de comunicações transamericana. No mapa, Manaus encontra-se literalmente sepultada pela selva amazônica, mas o projeto brasileiro não foi recebido com a menor sombra de ceticismo por seus vizinhos, como teria ocorrido há alguns anos. As propostas brasileiras já não provocam um levantar de sobrancelhas irônico entre os diplomatas vizinhos, especialmente os do sul.Mas a excelente imagem internacional do presidente - muito melhor que no interior de seu país, como costuma acontecer - não basta para justificar esse doce momento brasileiro. Com uma economia que atua como um grande aspirador, o Brasil capta US$ 90 de cada US$ 100 que chegam à América do Sul em forma de investimento estrangeiro. Seus 180 milhões de habitantes e uma segurança jurídica só igualada pelo Chile na região transformam o país em um dos mercados mais atraentes do mundo. Há décadas começou a pesquisar os biocombustíveis. Hoje é o maior produtor de etanol do mundo e praticamente todo o seu parque automobilístico funciona em maior ou menor grau com combustíveis não derivados do petróleo. Os EUA não duvidaram - ou não tiveram outro remédio - em procurar Lula como aliado para lançar os biocombustíveis em escala mundial e o brasileiro aceitou o convite, consciente de que a energia lhe permitirá aumentar de maneira decisiva a influência de seu país no continente.Apesar de vir de uma esquerda combativa como é o sindicalismo brasileiro, Lula - ao contrário do que fazem muitos presidentes sul-americanos - não faz distinções a priori entre amigos e inimigos. Esse presidente que só fala português tem uma boa relação com mandatários de todo o espectro político, de George W. Bush a Hugo Chávez. E ao mesmo tempo o Brasil se expressa com toda a dureza quando considera necessário. Da mesma forma lança advertências à Venezuela sobre seu papel na Bolívia ou aplica medidas de estrita reciprocidade no tratamento de cidadãos de países como Espanha, Canadá e EUA. Nas fronteiras brasileiras todos os cidadãos americanos devem ser submetidos ao mesmo processo - perguntas, impressões digitais eletrônicas, fotos e pagamento de taxas - por que passam os brasileiros quando chegam aos EUA.Lula continuou e deu novos argumentos a uma tarefa iniciada por seus antecessores e que é fundamental para conquistar a liderança regional. O Brasil chefia a alternativa mais séria e viável ao projeto americano que prevê uma área de livre comércio do Alasca à Terra do Fogo. Evitando a tentação de recorrer só à ideologia, o presidente brasileiro pôs sobre a mesa números, dados e resultados para defender que essa fusão ocorra em blocos: um dos maiores, o Mercosul, é liderado pelo Brasil. E quando é necessário adota boas idéias alheias que acabarão aparecendo como suas. Assim, na semana passada Lula aprovou a criação do Banco do Sul, uma idéia de Hugo Chávez, da qual o brasileiro retirou toda a carga antiamericana.A diferença fundamental entre o Brasil e seus vizinhos é que o primeiro vê a jogada de longe. Lula encarou um novo movimento americano que, embora não cause preocupação do ponto de vista prático, o faz enquanto símbolo. Washington decidiu reativar sua IV Frota baseada na Flórida, mas será destinada a patrulhar as águas do Atlântico Sul. Exatamente águas nas quais o Brasil descobriu reservas de petróleo que estariam entre as maiores do mundo. "Estamos preocupados", reconheceu o presidente brasileiro à imprensa local. Para o Brasil, o Atlântico Sul se transformou em uma área de interesse estratégico e só está disposto a dividi-la com a África do Sul, país com que estreitou relações político-econômicas de forma exponencial nos últimos anos, e se resigna à crescente presença britânica em uma extensa área ao redor das ilhas Falkland/ Malvinas.O Brasil tem boa imagem e Lula sabe aproveitá-la. Tarimbado em décadas de discussões políticas e em seu segundo e último mandato, o inquilino do Palácio do Planalto aprendeu a tourear com as questões espinhosas. "Crise? Pergunte ao Bush. A crise não é minha", responde quando interrogado.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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3 comentários:

  1. Ao publicar o seu “Sobre a atual vergonha de ser rasileiro”,Affonso Romano de Sant'Anna (1937), mineiro de Belo Horizonte,esclareceu se vê forçado a publicar um texto de 17 anos atrás, atualíssimo” E ele é publicado aqui, porque continua sendo mais atual que nunca, talvez até bem mais do que no passado, numa confirmação desalentadora de que cada povo tem, realmente, o governo que merece.
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    Sobre a atual vergonha de ser brasileiro

    Affonso Romano de Sant'Anna

    Cada povo tem o governo que merece? Ou cada povo tem os ladrões a que enriquece? Cada povo tem os ricos que o enobrecem? Ou cada povo tem os pulhas que o empobrecem? O fato é que cada vez mais, mais se entristece esse povo num rosário de contas e promessas, num sobe e desce de prantos e preces.

    C’est n’est pas um pays sérieux! (este não é um país sério), já dizia o general. O que somos afinal? Um país-pererê? Folclórico? Tropical? Misturando morte e carnaval? Um povo de degradados? Filhos de degredados largados no litoral? Um povo-macunaíma, sem caráter-nacional?

    Por que só nos contos de fada os pobres fracos vencem os ricos nobres? Por que os ricos dos países pobres são pobres perto dos ricos dos países ricos? Por que os pobres ricos dos países pobres não se aliam aos pobres dos países pobres para enfrentar os ricos dos países ricos, cada vez mais ricos, mesmo quando investem nos países pobres?

    Que vergonha, meu Deus! Ser brasileiro e estar crucificado num cruzeiro erguido num monte de corrupção. Antes nos matavam de porrada e choque nas celas da subversão. Agora nos matam de vergonha e fome, exibindo estatísticas na mão.

    Estão zombando de mim. Não acredito. Debocham a viva voz e por escrito. É abrir jornal, lá vem desgosto. Cada notícia é um vídeo-tapa no rosto. Cada vez é mais difícil ser brasileiro. Cada vez é mais difícil ser cavalo desse Exu perverso, nesse desgoverno terreiro.

    Nunca vi tamanho abuso. Estou confuso, obtuso, com a razão em parafuso: a honestidade saiu de moda, a honra caiu de uso. De hora em hora a coisa piora: arruinado o passado, comprometido o presente, vai-se o futuro à penhora.

    Valei-me Santo Cabral! Nessa calmaria em forma de recessão e na tempestade da fome, ensinai-me a navegação. Este é o país do diz e do desdiz, onde o dito é desmentido no mesmo instante em que é dito. Não há lingüista e erudito que apure o sentido inscrito nesse discurso invertido. Aqui o discurso se trunca: o sim é não. O não, talvez. O talvez, nunca.

    Eis o sinal dos tempos: este o país produtor, que tanto mais produz, tanto mais é devedor. Um país exportador que quando mais exporta, mais importante se torna como país mau pagador. E, no entanto, há quem julgue que somos um bloco alegre do ‘‘Comigo Ninguém Pode’’, quando somos um país de cornos mansos cuja história vai dar bode.

    Dar bode, já que nunca deu bolo, tão prometido pros pobres em meio a festas e alarde, onde quem partiu, repartiu, ficou com a maior parte, deixando pobre o Brasil. Eis uma situação totalmente pervertida - uma nação que é rica consegue ficar falida, o ouro brota em nosso peito, mas mendigamos com a mão, uma nação encarcerada que doa a chave ao carcereiro, para ficar na prisão.


    Espelho, espelho meu! Há um país mais perdido que o meu? Espelho, espelho meu! Há um governo mais omisso que o meu? Espelho, espelho meu! Há um povo mais passivo que o meu? E o espelho respondeu algo que se perdeu entre o inferno que padeço e o desencanto do céu.

    Texto extraído do jornal "O Globo" - Rio de Janeiro.

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  2. JFLAVIO, eu pensei que sua resposta tivesse sido à altura de tão categórica que foi.
    Imagino que os leitores não vão entrar nessa guerra vencida, onde ecoam gritos moribundos de gargantas que ainda ousam esbravejar, quando poderiam poupar os seus últimos fôlegos. Então, deviam consultar o próprio Affonso pedir-lhe que redija algo mais atual, pois esse texto facilmente nota-se defasado...Quem sabe até repreenderia o postador por tê-lo retirado do baú...será que ele nos faria essa desfeita?

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  3. O Affonso Rommano precisa de um upgrade tanto na sua poesia quanto nas suas idéias políticas. Há 17 anos o texto possivelmente já não era atualnaquela época. Tem hoje cheiro de mofo como a poesiazinha que ele pensa produzir.

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