terça-feira, 14 de outubro de 2008

A MÃE

- Dan, você é uma alma?
- Não eu tenho uma alma
- Só uma?
- Não, várias.
- Você é o dono das almas?
- Claro, e quem seria?
- Sei lá, Deus...a mãe fez uma pausa proposital.
- ...ou o diabo? Completou o menino curioso, que já havia pesquisado todos os nomes, histórias, lendas, bandas e referências outras sobre o dito cujo no cybermundo. Tinha um brinco na orelha esquerda e 14 anos de idade.
- Sei não, diga aí...insistiu a mãe.
- Ó, mainha, pra mim Deus está em cima, o diabo está embaixo e eu estou no meio.

*

As meninas disputavam seu lugar ao sol, com a missão de combater em terreno invadido pelo gênero oposto no ambiente doméstico. Esse universo dual, rival, vinha cedendo lugar a outros formatos de ser adolescente nesse perceber e pertencer ao mundo. O masculino e o feminino em confronto. Só há um mundo, o das relações. Aliás o Deus é este. O Deus das relações humanas, fora disso não há Deus. Deus seria a convergência ideal e uníssona dos deuses-nós vencendo o eterno conflito das relações. Um Deus alcançado pela humanidade.
- Como é, mainha? Deus como uma fogueira bem grande apagada e os seres humanos palitos de fósforo?
Tá bom, vou tentar desenhar,...Cacau, me passa o laranja?
Cacau é a caçula das meninas, qualquer dia desses passa por nós dando tchau com tanta bagagem. A mãe nunca mandou ler, sabia do perigo, ouvira dizer que os ignorantes são mais felizes, e ler vira vício e vício é coisa difícil de tirar, cigarro por exemplo... Enfim, vivia a aconselhar a menina a sair, ver, conviver com o mundo lá fora, divertir-se...lembrou-se de dizer-lhe um provérbio bíblico: - "quem se isola procura o seu próprio desejo egoísta e estoura contra toda a sabedoria prática".(18-1) Mas Cacau é do contra, contra o olhar panorâmico da mãe distraída fazendo anotações numa velha agenda sentada numa espreguiçadeira no fim do quintal. E zoa da porta da cozinha: - Mainha, tu não vais resolver os problemas do mundo se não resolveu os teus problemas.

Diálogos de um domingo à tarde enquanto lavava à máquina e maquinava trouxas de outros contos coloridos.

3 comentários:

  1. Gosto de sentar no meu banquinho de preguiça , e apreciar tuas loas.
    Marta Feitosa é como um queijo curado dos Inhamuns ... Tempera a nossa vida !

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  2. O sanduíche entre Deus e o Diabo, tem molho de caatinga, rude, tenso, incerto, catastrófico. Mas tem uma sobre-humanidade que jamais se encontra nas terras úmidas, férteis e de clima ameno. Desde o início que esta Feitosa carrega um texto por demais nordestino, de modo simplificado assim como um Conselheiro ou seu discípulo moderno um Glauber Rocha. Aprecio muito quando ela sabe que precisa resolver os problemas do mundo pois ao contrário do que muitos imaginam nossos problemas nascem, também com freqüência, no mundo lá fora. Agora sem que se adube a briga entre o sol e a lua sobre os leito do São Francisco, o Cariricult tem tido a sorte de ir mais para os fundos do Brasil em direção às terras originais nas ilhas do São Francisco, onde habitavam os Cariris. Certamente não deliro quando encontro esta luta divina, entre Deus e o Diabo na Terra do Sol: Marta e Lupeu. Obrigado Petrolina e Joaseiro.

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  3. Marta f, sua produção está massa, correndo as teclas sem pudor.

    Beleza

    abraços

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