´Isso é um jogo aberto e eu não trago bandeira. A parte que eu gosto do abismo é a beira´ (Foto: JÚNIOR PANELA)
Compositor de mão cheia, referência da cena musical do Cariri, Abidoral Jamacaru ganhou destaque na Mostra Sesc de Cultura
Compositor de mão cheia, referência da cena musical do Cariri, Abidoral Jamacaru ganhou destaque na Mostra Sesc de Cultura
Tudo tem um tempo de ser. E quando um grito custa a nascer se atira além do horizonte / Viaja nos quatro ventos / Estala que nem chicote / Ressoa muito pra pouco chão / Dói, lateja, explode e voa sem direção. Os versos da canção ´Mais tarde, mais forte´, presente no novo disco de Abidoral Jamacaru, parecem, conscientemente ou não, talhados para definir a própria trajetória desse cantor e compositor que se fez referencial para a música do Cariri. E que agora, ´Mais tarde, mais forte´, como no título da canção, apresenta seu terceiro disco, em shows espalhados pelos núcleos principais da Mostra Sesc Cariri de Cultura.Com a simplicidade e o jeito meio tímido de sempre, Abidoral é uma unanimidade entre os músicos da região. Tanto os colegas compositores, entre eles seus parceiros como Luís Carlos Salatiel, Geraldo Urano e o irmão Pachelly Jamacaru – quanto os instrumentistas que cada vez mais comprovam seu talento e avançam, apesar dos velhos pesares e da distância das capitais, rumo a uma maior profissionalização e à busca de tornar viáveis trabalhos mais autorais. Quem o viu no palco, durante a mostra, pôde intuir sem muito esforço os motivos para tal reverência. Primeiro, claro, pelas melodias sinuosas vestindo letras de escandir apressado, sobre uma grande variedade de ritmos e em meio a harmonias espantosas para o inerente fazer musical de Abidoral, que quando menino achava o Crato ´grande demais´. Que partiu para conhecer o mundo, pagou o preço do sonho de viver de arte e, de volta ao começo, encontrou parceiros e caminhos para tecer sua criação.Também por isso, tardou a revelar seu terceiro disco, 10 anos depois de ´O Peixe´ e 22 anos passados desde ´Avallon´. O novo trabalho chega com o nome de ´Bárbara´, destacando sua parceria com Pachelly em homenagem à mulher cuja ousadia, no dizer de Abidoral, lhe garantiu um lugar na história ´do Cariri, do Ceará e do Brasil´. ´Hoje muito pouco lembrada´, lamentou o compositor, ao mostrar a nova canção terça-feira, no show de lançamento do CD no Sesc Juazeiro do Norte.Bom foi conferir que Abidoral – historicamente, mais compositor que cantor – anda mais desenvolto no palco, soltando a voz, arriscando mais na interpretação. Enfim, parecendo bem à vontade, inclusive com uma sonoridade mais cheia para as canções, que ganharam belos arranjos da mesma banda com quem gravou o disco. No palco, três gerações: o violonista e guitarrista Lifanco, contemporâneo de Abidoral, o tecladista e arranjador Ibbertson Nobre e dois jovens representantes da banda Os Meninos da Casa Grande, de Nova Olinda: Helinho Filho na bateria (alternando-se com Rodrigo) e Aécio Diniz no baixo.Com a sonoridade mais popular resultante dessa reunião, Abidoral passeou pelos discos anteriores e destacou músicas do novo trabalho – como a faixa-título, ´Nada de novo´ e a verborrágica ´Discurso´. ´De tanto não gostar de ouvir discurso, acabei fazendo e musicando um discurso contra o discurso´. ´´Isso é um jogo aberto e eu não trago bandeira. A parte que eu gosto do abismo é a beira´. Mais uma vez, Abidoral se joga para o mundo.Crise na Fecomércio não atingiu a mostraO presidente da Fecomércio, Luiz Gastão Bittencourt, afirmou que as disputas internas na entidade, vivenciadas publicamente nos últimos meses, não interferiram no evento cultural. Após denúncias de supostas irregularidades na aplicação de recursos, Gastão desistiu de sua candidatura à Prefeitura de Fortaleza, para retomar o cargo de presidente da entidade.´Não só a mostra, mas nenhuma atividade do sistema Fecomércio sofreu com isso. O que aconteceu foi efetivamente uma questão política, uma questão de pessoas que queriam desvirtuar o trabalho que vinha sendo feito´, declarou Luiz Gastão ao Caderno 3. ´O meu retorno foi pra consolidar e dar continuidade ao trabalho que vinha sendo feito, para evitar que se usasse esse trabalho, aí sim, de uma forma errônea´, justifica. ´Tanto que a mostra tá aí. Se tivesse algum problema, teria dado esse ano. Fizemos foi dar um ´upgrade´, fizemos foi crescer. Como nessa abertura, com cinco grupos, que você pode até não ver cada um agora, mas você passa por cada um e pode ver depois´.Destacando o impacto positivo da mostra nos setores econômico e social, Gastão avalia que o evento foi responsável, nas 10 edições realizadas até aqui, por conferir maior visibilidade à cultura no Cariri. ´Os grupos vêm do Brasil todo e de diferentes partes do mundo. As oficina que acontecem por conta disso fazem com que se tenha durante esse período uma revisão do que é cultura - não só a nossa, mas as outras. E isso eleva o nosso artista local e os profissionais da área´, enfatiza. ´Esses 10 anos da mostra colaboraram para que diversos novos equipamentos culturais fossem abertos e vieram consolidar uma visão da cultura em toda a região do Cariri. Uma cultura que já existia, que não fomos nós que criamos, mas nós potencializamos essa cultura e abrimos portas pra que muitos grupos daqui pudessem se apresentar em outros lugares do Brasil´.Questionado sobre os recursos empregados na realização de um evento de números superlativos - são 1500 artistas reunidos, vindos de 17 estados e de quatro outros países -, o presidente da Fecomércio aponta um investimento de aproximadamente R$ 1 milhão. ´Isso diretamente. Indiretamente, você não mensura. Temos a cooperação de muitos profissionais que foram formados na mostra. E não me preocupo muito com orçamento. Mas qualquer outra entidade talvez não conseguisse, com R$ 3 milhões, fazer um evento com essa dimensão e essa participação. Essa foi uma conquista desses 10 anos´, acredita. ´Falamos que é o maior evento do Ceará, do Nordeste e talvez do Brasil. Não conheço um evento nacional que tenha a dimensão dessa mostra. Queremos crescer ainda mais e investir na profissionalização do marketing da mostra´.Secult: ´parcerias tímidas´Instado a avaliar o desempenho da atual gestão da Secretaria de Cultura do Governo do Estado, Luiz Gastão diz que a Fecomércio está ´à disposição´ da administração para possíveis ações conjuntas. ´Eu não sou juiz, e acho que quem julga é juiz. O que eu tenho colocado é que nós temos feito nosso papel. A Secretaria de Cultura talvez tenha um olhar, uma forma de andar com as coisas. Eu acho que precisa ter uma ação mais interiorizada, mas são políticas diferentes´, ressalva, reconhecendo que a ex-secretária de Cultura, Cláudia Leitão, aproximou a Secult da Fecomércio. ´Ela tinha sido diretora regional do Senac, tinha uma visão muito próxima de algumas coisas que fazíamos. E isso propiciou que nós tivéssemos uma aproximação´.Segundo Gastão, no atual governo esse quadro mudou. ´Tenho um relacionamento muito bom com o secretário Auto Filho, mas as parcerias com a Secretaria têm sido muito tímidas. Poderiam ser muito maiores. Mas nos estamos à disposição tanto do Auto quanto de qualquer outro secretario municipal´, diz, citando a extensão da mostra, este ano, em Fortaleza.Do Cidadão a um Nordeste azulChegando ao Cariri como uma das atrações musicais mais esperadas nesta décima edição da mostra, o Cidadão Instigado abriu os trabalhos da noite de terça no palco do Crato Tênis Clube. Em fase de transição e de expectativa pelo novo disco, o grupo de Fernando Catatau deu algumas pistas do que vêm por aí, adotando uma sonoridade mais densa em alguns momentos do show e chamando atenção nos espaços para a improvisação, entre as guitarras de Catatau e Régis Damasceno, os teclados de Rian Batista e a bateria de Clayton Martin.Não faltaram também as canções já conhecidas pelo público cativo da banda, de ´Os urubus só pensam em te comer´ a ´O pobre dos dentes de ouro´, no diálogo tão característico do grupo entre universos musicais que vão do rock ao brega, do reggae ao samba, do retrô ao eletrônico. Passando principalmente por uma atmosfera de liberdade criativa e bastante interação entre os músicos, o que se reflete na platéia. Nem a chuva que pela primeira vez desafiou o público nesta edição da mostra conseguiu atrapalhar a festa.Hora e vez, então, de o carioca (ou já quase cearense?) Jefferson Gonçalves retornar à mostra, desta vez com sua banda completa para mostrar o show baseado no disco ´Ar puro´. Calcado no blues de várias vertentes, mas sempre com um pé na riqueza dos ritmos nordestinos , fruto das andanças do gaitista por estados como Ceará e Pernambuco, o show caiu como uma luva para quem queria dançar e curtir a madrugada. Mas também teve momentos mais cadenciados, como quando Jefferson e o fiel escudeiro Kléber Dias na guitarra ´pedem licença´ para mandar um blues enriquecido pela batida do maracatu. A sinceridade e o discernimento dessa conexão Nordeste mais uma vez arrancaram aplausos.
DALWTON MOURA
Diário do Nordeste
Enviado ao Cariri*
Lembro-me das suas alpargatas em passos geniosos indiferentes ao tempo pelas calçadas da Av. Duque de Caxias... Na praça da Sé eram os oitis arrastados e se fazia música aos meus ouvidos... Curvo-me diante da sua viola e da sua voz. Longa e eterna arte, Abidoral!
ResponderExcluirAbraços.
Abidoral...Já imortal !
ResponderExcluir