Os Estados Unidos já vinham dando mostras, nas últimas décadas do século passado, que iriam começar a encostar nos países ricos europeus na corrida dos índices educacionais. Os exames internacionais (inclusive o PISA) vinham mostrando essa tendência de melhoria da eficácia da educação norte-americana. Foi um esforço inaudito da sociedade americana fazer o que fez em um país gigantesco e de grande população. As universidades acolhem mais de 50% da população a elas destinadas e há mais de 90% dos jovens conseguindo terminar a high school. E esses dados quantitativos, agora, revelam resultados qualitativos. Já não há mais diferença em habilidades de leitura, escrita e compreensão de textos entre jovens americanos e jovens franceses, alemães e ingleses. Todavia, os Estados Unidos querem mais.
Agora, sem pressão governamental ou qualquer política para tal, a própria juventude universitária americana vem buscando bater a Europa rica em mais um quesito cultural: a filosofia. Terra de um ensino tecnológico e de boa filosofia enquanto coadjuvante da ciência e da lógica, os Estados Unidos tinham certa dificuldade de inserção no debate internacional filosófico por uma razão simples: mesmo tendo importado muito dos americanos, a Europa se mantém com uma filosofia menos voltada para a ciência e mais dirigida para a literatura, artes e, principalmente, política e questões sociais. A juventude americana tem procurado os cursos de filosofia nas universidades e colleges e decididamente tem buscado aqueles que podem estabelecer pontes com o saber da Europa. Meu amigo Richard Rorty deveria estar vivo para ver isso, ele que sempre foi um americano que nunca desprezou a Europa.
Agora, em abril de 2008, o jornal americano New York Times fez uma pequena pesquisa sobre algo que se nota na universidade americana: a busca por filosofia. Os números realmente mostram isso. Só para vermos um exemplo: A City University of New York tinha 50 turmas grandes de filosofia em 2002, e este ano registrou 100 turmas ainda maiores, mesmo tendo a matrícula geral da universidade declinado em 4%. Outras universidades americanas, em regiões diferentes, registraram crescimento semelhante. Os professores aplaudem a iniciativa, pois eles dizem que isso favorece o mercado de trabalho atual, que busca pessoas com habilidades no sentido de “pensar a partir de várias perspectivas” e com “bases humanísticas e de cultura geral”. Alguns enfatizam necessidade de habilidade para o “pensamento crítico”, necessário na vida americana atual. E por “pensamento crítico” os professores americanos não estão dizendo senão outra coisa que “pensamento logicamente correto”.Esses dados deveriam chegar ao MEC e às secretarias de educação de nossos estados. Deveríamos ser capazes de perceber essa tendência que não é apenas uma “moda americana”, mas uma verdadeira percepção dos jovens quanto às oportunidades de trabalho em seu país e no mundo. Estudos feitos por Robert Reich, que foi ministro do Trabalho de Bill Clinton, voltam a indicar o que ele já havia falado quando esteve no governo: o mercado de trabalho do Ocidente não vai mais desejar aquilo que, no meu jargão, eu chamo de “os homens modernos de Max Weber”, isto é, os “especialistas sem inteligências e hedonistas sem coração”.
No Brasil, essa tendência do mercado de trabalho tem se verificado nos centros urbanos médios e grandes. A cidade de São Paulo tem oferecido vagas de empregos – e não poucas – que não são preenchidas. O bom candidato vem para a entrevista, possui o diploma para o cargo, possui certa habilitação para a tarefa específica, mas não consegue lidar com situações “fora do script” que, enfim, acabam decidindo tudo no seu trabalho.A maioria dos pequenos e médios empresários com quem tenho conversado (e tenho feito isso sistematicamente nos últimos meses), tentando saber onde está o problema, diz claramente: “falta capacidade crítica”. Alguns usam a interessante expressão: “falta expediente”. O candidato não consegue colher informações na NET para se safar do problema. Não encontra a informação que precisa. Até aí, um problema que ainda não é o de filosofia. Mas eis um que é: quando a encontra, não sabe averiguar se a informação é ou não confiável. Todas suas referências culturais escapam do campo de saber de uma pessoa de cultura humanística média, como a que tínhamos na escola dos anos 50 e 60 a partir da escola média.Os americanos perceberam que a filosofia pode ser a coroação da vitória que eles têm obtido na luta de mais de meio século pela melhoria geral de seu ensino. Nós, brasileiros, sequer conseguimos ainda articular a escola ao mercado de trabalho – após tantas tentativas frustradas. Nossas autoridades de hoje ainda possuem a mesma mentalidade que levou Roberto Campos aos erros dos anos setenta, ou seja, ainda imaginam o mercado de trabalho como algo do século XIX. Querem fazer uma articulação quase que direta e imediata entre “profissão” e “curso”. Não são capazes de fazer um ensino voltado para o trabalho, pois eliminam a chave para tal, que são as humanidades e, principalmente, a filosofia. Nos dias de hoje, profissionalizar um jovem fazer com que ele adquira o máximo de habilidades no âmbito da cultura geral. O jovem que lê Platão na escola média está muitos passos acima no campo da profissionalização do que o jovem que consegue saber as três leis de Newton, ainda que as aulas de física não possam de modo algum ser desprezadas.Nós, tão ansiosos para seguir os primos ricos do Norte quanto ao que fazem de errado, não conseguimos segui-los quando acertam. O Brasil tem uma estranha vocação para Maria-vai-com-as-outras, mas não no que é correto.
Autor: Paulo Ghiraldelli Jr
Fonte: http://ghiraldelli.multiply.com/journal/item/284
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