quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

O PASSADO APRISIONADO AO BAÚ

Evilásio Nepomuceno que tem no nome um dos sobrenomes mais queridos do passado cearense, o do nosso Alberto Nepomuceno, andou criticando a avaliação da atual Siqueira Campos com a frase “quem vive de passado é baú”. Como baú é um instrumento e não um ente, baú não vive, guarda o passado e quando de uso cotidiano, o presente também. Não erra o Evilásio ao defender a sua querida, “linda e mais fria” praça, pois como já diziam pessoas do passado: gosto não se discute. Embora o Evilásio e muitos outros, inclusive eu, achemos que gosto se discute sim, qual outro sentido para que o Evilásio poste o comentário se não esta discussão? Para Evilásio a praça dele, a de hoje, é melhor que a do passado, ou sendo honesto com ele, a de antigamente não existe mais e não adianta falar do que já passou. Não é no piso incerto de um passado que ele andará. Além do mais o Evilásio, no seu breve comentário, já apontou para as mãos lavadas de Pilatos: “se não houvesse a reforma iam reclamar do mesmo jeito.” Como a reforma é um dado posto, já aconteceu, o nosso Nepomuceno agrega ao seu juízo de valor da obra feita, aquele do inevitável: reclamariam de qualquer modo.

Mas o Evilásio nos trás um dado posto. Aquele em que os escritores e escritoras do blog andam evocando, com intensidade, o passado da cidade do Crato. Um Crato mais idílico, um Crato ideal, pois assunto resolvido. As dores e as alegrias agora se enternecem nas lembranças que, agora limadas, se tornam fáceis de passar a mão sobre elas. Estas trocas de lembranças resultam em dois efeitos prováveis: a) agrupam os detentores da memória pela semelhança e b) deixam de fora aqueles que não foram parte daquelas vivências. No meu entender, apesar do alerta do Evilásio, não é bem isso o que ocorre no Blog do Crato e no Cariricult.

Ambos se tornaram o espaço real permitido pelos computadores e pelas telecomunicações para que todos de longe ou perto se mantenham num grande encontro. E passado ou presente, futuro talvez, é tudo que precisa se encontrar nestas longas plagas interioranas. Não sejamos ingênuos: a civilização comercial que vivemos continua sendo litorânea. Até os EUA vivem o drama de que apenas duas costas, a do Atlântico e a do Pacífico vivem a pujança do mercado mundial. O interior americano é um interior ressentido e abandonado. Por isso a fusão do tempo sobre o território do Cariri fortalece o que existe de mais verdadeiro: um povo só e cada indivíduo em si.

Na verdade o Evilásio só queria defender a sua praça e o usei como escada para chegar até aqui. Ele que me desculpe por isso, mas como trata de um sobrenome com esta força volto ao Alberto. O gênio da música brasileira, o primeiro a criar uma corrente nacionalista na ópera (e a ópera é o nacionalismo na essência) com duas obras completas: Abul e Artemis e ainda deixou a Garatuja incompleta, baseada em José de Alencar. Alberto Nepomuceno, o cearense de Fortaleza, filho de um violonista da catedral da cidade, é um compositor internacional, grandes intérpretes da música erudita na Europa ainda executam e gravam este passado tão exuberante que estimula jovens presentes ao sol destes dias. Certamente com Nepomuceno o nosso, entre outros, Dihelson sabe que é possível expressar este mundo que nasce neste grande encontro que é o Crato e o Cariri Inteiro.

Um comentário:

  1. O passado solto no presente , sem inrferir no destino de cada um. Tudo leve , levíssimo , como a música de Alberto nepomuceno.


    Você disse tudo , mas eu gosto de teclar contigo. mais um texto para a minha coleção de joias , que guardo ,no precioso baú do aprendizado .

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