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"O Homem que nesta terra miserável vive entre feras, sente inevitável necessidade de também ser fera" Augusto dos Anjos.
Quantas vezes você já deve ter ouvido essa frase...
"Nosso pai está ficando louco! Agora depois de velho, quer vender "NOSSO" patrimônio..." Na verdade, esse problema acontece em muitas famílias Brasileiras. Deixando de lado todos os métodos de escrita elegante e truques literários que eu ainda poderia ter guardado ao longo dos anos, de tal forma que esse artigo seria melhor escrito por pessoas mais aptas, como o nosso querido Dr. José Flávio Vieira... mas enfim, terão de se contentar com minha rudimentar forma de escrita. O importante aqui é a mensagem que pretendo passar.
Seu Olegário
Seu Olegário, ex-bancário experiente, desde cedo lhe ensinaram que nesta terra dura, só se consegue as coisas com muito esforço e sacrifício. Filho de pais pobres, agricultores, sem condições de enviá-lo às melhores escolas, o moleque Olegário, conhecido na roda de amigos pelo singelo apelido de "Gagá", pois sempre foi motivo de risos e piadas, era um desses rapazinhos tímidos, tipicos dessa gente do interior. Sem vintém, Olegário não conseguia as garotas que tanto amava em pensamento. Acalentava porém um defeito que depois se tornou uma obstinação: tinha mania de se apaixonar pela "chefe da torcida", aprendera a apreciar desde cedo os melhores pratos, as garotas mais belas, uma boa roupa, embora não tivesse a mínima condição de possuí-los. Da vida dura de agricultor, entre um prato de arroz com feijão e outro prato de feijão com arroz, Olegário começou a ter idéias de grandeza. Pensou consigo: "Irei para a cidade grande, estudarei e passarei num concurso para o Banco do Brasil"... ( numa época em que ser bancário do banco do Brasil era alguma coisa, render-lhe-ia prestígio, e um bom dinheiro ).
E assim o fêz. Estudou por conta própria em cursos por correspondência, depois arrumou uns empreguinhos mixurucas, e já tendo algum conhecimento, Olegário se lançou na sua missão de ser um bancário. E tão grande era a sua força de vontade, que ele passou logo de cara. Alguns até se perguntaram como aquele rapazinho vindo lá das "brenhas", conseguiu essa proeza, mas Olegário seguia seu curso incólume. Agora, já de gravatinha no banco, pensava nas grandes coisas que as pessoas normais de gravatinha e pasta na mão, normalmente pensam: Em construir uma família, dar uma satisfação à sociedade, ser um homem de bem, cumpridor dos deveres, ser um bom pai, um bom amigo, um bom marido, um cidadão de bem, aquele que planta um livro, escreve uma árvore e constrói uma família regada a todo o conforto que o diuturno trabalho lhe proporcionaria. Tinha porém uma nova filosofia: Não queria que seus amados filhos sofressem das duras agruras porque passara na mocidade.
Na realidade, Olegário, este devoto pai de família trabalharia como uma "Mula de carga", talvez por mais de 40 anos construindo um patrimônio, na esperança de ao final de uma vida cansativa, podusse realizar enfim, aqueles sonhos da juventude, quando sendo um jovem sonhador e besta nas horas de folga na enxada, em pleno sol de Novembro, pensara um dia em conhecer Paris, possuir uma residência num bairro elegante da cidade grande, comprar um carro novo, talvez quem sabe, casar-se com uma esposa carinhosa e ter filhos saudáveis e inteligentes...
...Acontece que a vida é um ciclo estranho!
O mundo dá muitas voltas, e após nosso herói trabalhar por mais de 40 anos, ou mesmo a vida inteira construindo o seu "futuro que nunca chegava", fazendo hora extra pra sustentar o "Luiz cláudio" agora na faculdade, para formar o "Henrique" em engenharia de Produção, ou mesmo a "Melina", garota sempre estravagante que desejava ser marchand em Nova York, vai este homem, outrora moço, sonhador, a encarar uma dura realidade que a maioria dos idosos do Brasil já estão acostumados:
Os maus-tratos por parte da família. A velhice em si, o afastou os amigos, muitos já residindo no cemitério, e Olegário finalmente começa a ver que todo aquele sonho de môço, de um dia conhecer Paris, de viajar pelo mundo, de ter uma velhice calma, está indo por água abaixo. Vê por exemplo, que o filho mais velho "Luiz Cláudio" após formar-se em medicina pela USP, mal o vê durante 3 anos. Apenas um cartão de natal barato chegou recentemente ao velho como prova de "Alta" estima e consideração. Vê, por exemplo, seu filho predileto "Henrique" após todo o sofrimento que o pai teve em bancar a sua universidade, mostrar-se um grande ingrato. Depois de formado, nem mais dá as caras lá pelo velho apartamento do Olegário, comprado em suaves prestações pelo antigo BNH, e já não aparece nem para tomar um café. Vê a sua amada filha Melina, tão bem cuidada na adolescência, frequentadora dos mais caros colégios da capital, hoje mulher distante, lá em Nova York, isolada, e quando muito telefona, ainda é para lhe pedir algum dinheiro extra para um projeto mirabolante do tipo "Agora vai, Pai! é o sonho da minha vida". Lá vai o velho Olegário a gastar as suas economias ainda com filhos...
Até que um dia, chegados os seus mirabolantes 65 anos muito mau vividos, Olegário, no auge da mesmice de uma vida em que passou 30 anos com a bunda pregada na cadeira do banco, resolve ter um infarto sem avisar aos amigos. Suas artérias já não são mais as mesmas afinal. Sua pele enrugada denuncia os muitos maus tratos que a vida lhe ofereceu. Seu reumatismo crônico e aquelas terríveis dores nas costas, devido a uma inconveniente hérnia de disco, o privam de dormir bem, passando a noite a rolar na cama, mudando de posição, para o "desconforto" da sua mulher que sempre reclama. Sua visão já é turva, seus ouvidos já não escutam muito bem, e aquele velho "tínitus" infernal adquirido do barulho no banco, lhe priva das boas audições das suas músicas prediletas.
O velho Olegário então, no auge deste conjunto de coisas, resolve tomar uma decisão radical. Pensa consigo mesmo: "Meus filhos já estão crescidos. Todos já estão casados, já os formei, forneci a cada um meios de sobrevivência própria, já construíram até suas famílias. O que devo fazer, agora que a velhice me atormenta ? Já sei! Vou aproveitar os últimos dias que me restam e desfrutar do trabalho de uma vida, em que sustentei essa cambada de filhos ingratos, que como passarinhos, só precisaram de mim com o biquinho aberto para receber. Vou vender a casa da Praia, que só me dá prejuízo na manutenção e quase nunca se vai até lá. Vou vender a casa da Serra, pois não nos serve mais, já que moramos nesse apartamento no centro para minhas sessões de fisioterapia e estar mais próximo das clínicas de atendimento de urgência. Vou vender tudo que não me é útil, POIS COMPREI COM O SUOR DO MEU TRABALHO, e vou enfim, antes de morrer, realizar meus antigos sonhos de juventude: Vou conhecer Paris, vou viajar, vou aproveitar meus últimos dias na terra com dignidade e fartura.
Comunicada a sua decisão à família, Seu Olegário é tradado com total desprêzo, desdém e desconfiança:
"Gente... Nosso Pai está ficando louco! Pirou de vêz! ele quer tirar "NOSSA" herança, e gastar em "Futilidades" como viagens a Paris. Papai tá louco...
Henrique, o mais velho diz:
"Pai, que idéia de jerico é essa, de viajar para a Europa? falta algum dinheiro para o senhor comprar seus remédios para o coração, falta ? "
Já outro diz:
"Nosso pai a esta altura, só pode estar com o Mal de Alzheimer. Essas idéias são absurdas. Acho bom internar papai numa clínica, gente!"
A filha mais nova diz:
"Mas não podemos internar papai na clínica até ele assinar os documentos nos passando TODO o patrimônio. Afinal, essa é nossa herança e iremos lutar por ela..."
O velho Olegário ainda tenta se defender:
-- Essas coisas todas são minhas! Eu construí com o suor do meu rosto. Posso vender na hora em que bem entender. Quanto de vocês está investido nisso aqui ? Aonde vocês estavam quando eu ralava no caixa do Banco pra sustentar os estudos de vocês nos melhores colégios?"
-- Papai, o senhor precisa de repouso. Olha, cuidado com o Infarto! Já pensou se o Senhor está lá na Europa e tem um infarto em pleno champs elysees ?
-- Eu morreria tranquilo. Bem melhor do que estar perto de sanguessugas como vocês, que passaram a vida sugando do meu trabalho.
Passados alguns dias, a família secretamente, decide em reunião:
-- Olha, gente, o momento de agir é agora! Papai demonstrou claramente que agora no fim da vida está com umas idéias mirabolantes. Quer viajar, quer vender nosso patrimônio... e quem vai cuidar dele?
Todos se entreolham. Um diz:
-- Eu não posso! já tenho coisas demais para tratar.
Outra ainda acrescenta:
-- Eu também não posso. Preciso estar em Nova York na segunda-feira para concluir um grande negócio.
Passados os dias, chega uma ambulância com homens fortes, todos de branco à porta:
-- Viemos pegar o Senhor Olegário!
O velho Olegário ainda tenta fugir, mas é impedido por uma ampola braba de Sossega-Leão.
Hoje em dia, o velho Olegário, que passou a vida lutando para criar seus filhos, tornou-se refém deles. Vive numa clínica para idosos, internado, jogando baralho e relembrando seus antigos sonhos de juventude. Nada de Paris, nada de viagens, nada de viver a plenitude da vida. Agora, sua rotina é olhar pela janela esperando o fim dos dias. Uma rara visita de um dos filhos que lhe trouxe de Paris uma torre Eiffel de alumínio, brinde de uma grande compra de roupas em uma loja. Já outro filho, vez por outra lhe visita, e traz os filhos para conhecer o vovô Olegário. Um dos netos fala para o irmão "Cuidado com o vovô, não toca nele. Ele é doido!"
E o agora vovô Olegário passa os últimos dias olhando pela janela, até que numa bela tarde de Abril, sem avisar, vem a visita da "mais indesejada das gentes", a morte lhe toma os últimos soluços neste mundo. Morre o velho Olegário, e é sepultado. Os filhos...
Ah! os Filhos... estes não puderam comparecer. Estavam muito ocupados...
...para um simples entêrro.
Por: Dihelson Mendonça.
Escrito enquanto eu espero aqui na mesa a nossa "doméstica" servir meu Café.
Gislene ?, põe logo esse café aqui na minha mesa, que o Blog do Crato não pode parar!
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