Sentimentos...
Traduzir esse sentir em palavras...ESCREVER...não dá.
Você com os olhos em mim, impossível! Direi o quê? Vou dizer só de mim, só de mim pra você, não é justo. Não somos dois neste momento? Não vou fazer isso sozinha. Sinto-me apavorada com este exclusivismo sem precedentes, discordo, por favor, compreenda. É um egoísmo ignorar o seu sentir, não acha? Será um monólogo se só eu disser. Pense aí como NÓS podemos fazer esse livro que já começou. Você está lendo. Lê para pensar no que lê, e o que lê? O que lê? Depara-se com o acovardar-se de um escritor, certamente um lunático ou preguiçoso, um medroso. Autores escrevem sozinhos mesmo, não é anormal. Ele traz a folha em branco e preto assim, mas você é informado que não se trata de uma proposta pronta (mas um LIVRO tem que ser!), e não é um jogo, nem uma escolha, sequer foi consultado, está preso em meio às letrinhas como quem foi seqüestrado, deduz talvez tratar-se de uma extravagância, uma nova experiência literária, os leitores-cobaias, não gostou, ali sentiu-se refém do escritor que lhe parece indiferente.
Você meio que traído, confuso, irritado e num instante é salvo pelo tato que o faz lembrar aquilo que segura nas mãos. Olha o calhamaço de folhas numeradas, folheia bem devagar, poderiam estar em branco, confere se estão realmente escritas, sente um alívio instantâneo. Sim, o livro já está escrito, do que se trata então esse escrever junto com o autor, uma piada? E ao pensar isso, com o escritor certamente embaraçado, cria-se um incômodo momentâneo pacífico, ali capta-se numa fração de segundos uma condescendência do leitor atiçada para além dos humores levianos e das conclusões rápidas. Um lampejo de intuição. Resiste e lê. Procura sabedoria e ainda não há o menor vestígio da sombra do seu manto sagrado. Apenas uma palavra soprando outra que sopra outra e parece vento, ventania. Aposta às cegas, o autor covarde quer lhe dizer algo, as letras vão se reproduzindo, os olhos seguem, praticamente sem pensar – nem há em que pensar ainda - continua. Descobre nenhum enredo, sequer uma situação iminente, qualquer imagem mental que sugira uma linha de raciocínio razoável. Uma paisagem, uma referência. Onde começa mesmo a história? Precisa saber. Parece ironicamente que o livro não está mesmo escrito. Detesta sarcasmo.
Apela para a ironia de um pensamento altivo que lhe permite sentir-se superior e recua o corpo para trás distanciando-se, como para dar mais espaço entre si e o livro nas mãos, e assim ampliar o pensamento que lhe ocorreu, um pouco sarcástico. Normalmente repele tais pensamentos. Desta vez concordou com a voz interna de um ego vindo das trevas de si que lhe sussurrava - é um mero recurso dos mais simplórios para tentar prender a atenção de leitores ingênuos, não você, feche-o, recuse a farsa, isto não é um livro, autor abusado... blá, blá. Muitas vezes concordamos com a opinião de um ego ou outro, muito embora esses egos não resistam a um grito bem dado. E deu enfim. Não, este ego não era um pensamento seu. Não costumava ser tão implacável. Flagrou-se neste instante pensando o que parecia ser seu próprio falatório íntimo, achou mesmo que poderia ter escrito aquilo. Distraiu-se, relaxou de sentir-se prisioneiro do autor naquela cumplicidade que lhe fora imposta ou, pra pegar leve, sugerida, mas compara a idéia a um convite para uma festa que já terminou e sente-se mal. Lembra-se que há um livro para ler, não para escrever. Isto é fato. E novamente questiona-se sobre o quê. Seremos eu e o autor os personagens? De nenhuma história. Duvido. Nunca fomos apresentados. Se for assim, posso fechar este livro, não aceitar. E daí? Se já está escrito, não precisa de mim, conte outra. Ele sugere que eu também escreva este livro. Bem, deve haver uma página mágica com a qual se possa abrir uma janela na sua lógica, um buraco, um furinho, um rombo daqueles. Tem a impressão de estar falando sozinho, ou pior, escrevendo. Era apenas um leitor, e por enquanto apenas a primeira frase sugeria um livro que se poderia levar a sério: “traduzir este sentir em palavras”, até poético, despir-se do que sente. Imaginei um livro muito franco, sincero, pessoal. Uma fraude? Ah, o que eu sinto, sinto muito em dizer... esse autor brinca, ou sei lá, se fala sério deixa pouco à vontade leitores desavisados. Percebi, e considerando aparentemente interessante, mais ou menos emblemático, “eu” trouxe o “seu” livro. Não me senti uma cobaia naquela hora. O título não dava pistas seguras, é verdade. Um tanto subjetivo. A primeira idéia era sobre escrever juntos um livro, o leitor e o autor no momento da criação, já criada. Como poderia? Não sei. Meio louco. Pareceu-me pretensiosamente duvidoso. (Acho que gostei justamente por isso)
E ei-lo aqui, apesar de tudo ou de nada eu estou lendo. Não me pergunte sobre o quê, leia comigo. Aliás, com quem falo? Muito prazer. Ainda bem que não estou só.
Um livro acompanha os acontecimentos dos dias em que se passa com ele - se eu quiser! – se encaixa na sequência dos episódios da vida de quem está lendo. Esse livro sem sentido, ridículo. Tantos são os meus fatos, meus problemas, minha vitórias... eu sei, mas este autor? Nem imagina. E me intriga a sua audácia. Até agora não descobri absolutamente nada sobre o objeto que estou segurando entre as mãos e que ousa me desafiar. Parar por vingança, deixar pra lá...no entanto há um livro, um livro TODO ESCRITO, um louco a escrever dizendo que escreve comigo, e eu, que não sou louco. Ah, e você que está lendo. Sim, (???) então o louco deve ser você, lógico!
Abraços
Estou sentindo falta de você e seus textos inspirados!
ResponderExcluirIlustríssimo, que saudade. Vou postar uma poesia, tomara que seja inspirada.
ResponderExcluirUm beijo, e obrigada.