sábado, 24 de janeiro de 2009

Miguel Arraes - por Luiz Otavio Cavalcanti (*)



O Jornal do Commercio de hoje publica este artigo sobre Dr. Arraes. O autor era de partido contrário. Luiz Otávio Cavalcanti é ex-secretário da Fazenda de Pernambuco, na gestão de Roberto Magalhães. Mas gostei do que ele escreveu, me pareceu isento.
Joaquim Pinheiro





Pernambuco é politicamente pendular. De um lado, escola de exaltação, discurso de confronto, revolta: Frei Caneca e Agamenon. De outro lado, escola de moderação, acordo e conciliação: Marquês de Olinda e Marco Maciel. Mas, não só. A constelação tem uma terceira estrela, real, mítica: Miguel Arraes.Dr. Arraes ocupou espaço político importante durante mais de 30 anos, entre os anos 60 e 90. Foi deputado estadual, secretário da Fazenda, governador três vezes, deputado federal, presidente de partido. Patrocinou diálogo entre camponeses e usineiros na sala principal do Palácio da Campo das Princesas, em 1963, identificou-se com pobres e humildes ao longo de sua carreira. Autêntico, como o sol do Nordeste, terminou mitificado.
Norberto Bobbio ensina que o mito apresenta três elementos: crise, emoção e símbolo. Arraes foi envolvido, em 1964, pela crise institucional que atingiu o País na qual foi relevante protagonista. Cercou-se de emoção política ao ser deposto pelos militares e recusar a renúncia ao cargo de governador. Tornou-se símbolo político ao ser exilado e ficar fora do Brasil mais de 15 anos. Estava construída no imaginário popular a figura do mito.
Além da prática política, tornou-se emblema de resistência pessoal e de apoio à pobreza.A propósito, Antônio Callado, em Tempo de Arraes, (página 20), escreveu: "Nos anos 60, Pernambuco era o maior produtor de idéias do Brasil". Essa condição, Pernambuco a adquiriu "em decorrência de movimento de massa e da eleição para o governo estadual de homem ligado ao povo". E acrescentou: "À época, Pernambuco, na verdade, tomou nojo da timidez do Brasil".
A escolha do destino, no exílio, não foi aleatória. Em entrevista dada a Cristina Tavares e Fernando Mendonça Filho, publicada em Conversações com Arraes, (página 101), Arraes ressaltou que a opção pela Argélia resultou de conjunto de fatores. Entre os quais, o fato de que foi a África que recebeu os inconfidentes mineiros e empreendeu notável luta anticolonial dos argelinos contra o domínio da França. Ele soube produzir, sempre que possível, adequada moldura para suas decisões.
É curioso ler as considerações que ele fez sobre o então líder metalúrgico, Luis Inácio da Silva (página 52): "A criação do Partido dos Trabalhadores é reação natural contra os que manipulam os operários". E, mais adiante: "É importante que esse movimento ocorra dentro de uma grande força nacional e popular". Como se observa, ele mantinha presente o senso de reunião de forças para garantir densidade política e eleitoral ao conjunto de representação nacionalista e popular. A íntegra das citações está em Certezas provisórias (Edições Bagaço, 2009).
Mesmo excedendo limites formais de Partido Político, a ação de Arraes foi também institucionalizadora. Ao inaugurar participação do governo na crise envolvendo trabalhadores da cana e usinas de açúcar. Na educação, ao convidar Paulo Freire a desenvolver método de alfabetização em escolas públicas estaduais. Concepção que foi adotada em muitos países e premiada pela Unesco.Na trilogia política de Pernambuco há insubmissão, conciliação e cartilha social. Arraes a escreveu com horizonte histórico de sentido popular e nacionalista.
(*) Luiz Otavio Cavalcanti é membro do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano

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