quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

A Paisagem lateral

Gostaria de comentar com vocês, caros leitores, alguns dados recentes do IBGE referentes à população brasileira. Sentados confortavelmente na nossa poltrona, nem percebemos o dinamismo da vida que corre à nossa volta. Sou um colecionador de fotos antigas do Crato e , quando as contemplo, muitas vezes fico extasiado com as mudanças ocorridas. A paisagem dos anos 20 está quase que irreconhecível, as vestimentas das pessoas mudaram da água para o vinho, os carros antigos parecem de museu. Pois é , amigos, junto com tudo modificaram-se, também, os costumes. Precisamos estar atentos a isto sob risco de terminarmos obsoletos igualzinhos à paisagem da foto. A população brasileira tem crescido numa taxa bem menor, tem aumentado o contingente de idosos e decrescido a percentagem de jovens. A partir de 2062 estima-se que o número de mortos será maior que o dos que nascerão. Temos , sem perceber, uma bomba relógio com estopim aceso : o país não tem nenhuma estrutura para acolher o grande batalhão de idosos que vem surgindo. Não temos clínicas específicas, faltam-nos geriatras ( uma especialidade rara ) e simplesmente carecemos de outros membros da equipe multidisciplinar treinados como enfermeiros, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas. Além de tudo, não temos abrigos suficientes para acolher a terceira idade. Aí a questão é extremamente preocupante, pois as famílias quase não têm filhos ( a média atual é de pouco mais de 2 rebentos por casal) e estes têm que tocar o carrossel da vida que roda de forma cada vez mais vertiginosa.
A família brasileira, por sua vez, tem nuances completamente diferentes de anos atrás. Primeiro encolheu no número de pessoas. Os filhos andam muito mais solitários. Os pais, na sua maioria, trabalham fora e distanciou-se enormemente a presença materna. O número de casamentos tem crescido consideravelmente. Por outro lado multiplicou-se o número de casais separados, em 2007 já ocorria uma separação para cada quatro casamentos realizados. De 1984 quando se aprovou a Lei do Divórcio até 2007 os números triplicaram. O 2º. Casamento já representa quase 20% do total de enlaces matrimoniais, na atualidade. Isto, claro, sem falar na grande quantidade de uniões estáveis não legalizadas formalmente nas suas mais variadas maneiras e entre os mais diversos sexos. Junto disso tudo têm se ampliado infinitamente os graus de parentescos. Convivem de perto irmãos de diferentes casamentos; ex- esposas e ex-esposos múltiplos; cunhados das mais variadas modalidades; sogros-sogras diversos; netos, netos tortos, sobrinhos multifacetados; avós diretos , avós tortos; aponham-se a isto todas as possibilidades de relacionamento entre as mais variadas determinações sexuais e se perceberá que as combinações são quase que infinitas. Esta diversidade se numa extremidade pode fazer crescer exponencialmente o risco de conflitos, na outra se delineia a possibilidade de se estender o guarda-chuva acolhedor familiar, encontrando-se caminhos para tecer os fios da tolerância e desatar os nós da diferença. A maior parte das separações ( 76%) tem sido procedidas de forma consensual e talvez fosse possível melhorar ainda mais esta estatística se criássemos artifícios jurídicos no momento da enlace, com o fito de dirimir a disputa posterior, tornando o procedimento mais fluído e menos contábil.
Junto a tudo isto os costumes, no vácuo destas mudanças, metamorfosearam-se imensamente. A iniciação sexual dos jovens tem sido feita de forma cada vez mais precoce. O namoro que na minha geração transcorria na Praça da Sé, hoje a regra é que ocorra no Motel. Virgindade é um valor arcaico nos tempos atuais e , de tão raro, sob risco de extinção, devia ser cadastrado no IBAMA. Alguém ainda ouviu falar de um casamento feito à força por conta de o rapaz ter mexido com a moça ? A lavanderia que lavava a honra das donzelas acabou totalmente desativada por falta de clientes. Casais do mesmo sexo assumem seu relacionamento publicamente sem grilos maiores e seus afetos já começam a fazer parte da paisagem natural das nossas ruas e logradouros. E as mulheres ( que já são franca maioria no Brasil) avançaram no mercado de trabalho e já não existe quase nenhuma atividade no país em que não estejam presentes e trabalhando com afinco e dedicação. A iniciação sexual precoce elevou a taxa de adolescência na gravidez que hoje beira os 20% e que poderia, certamente , ser minimizada se encarássemos os tempos atuais com a franqueza necessária e sem os preconceitos tão frequentes. É , meus amigos, não adianta como avestruz enfiar a cabeça no buraco do passado , senão se acaba atropelado pela locomotiva do progresso.
Existe ainda uma outra realidade própria dos tempos atuais. Cada vez mais as pessoas têm preferido morar sozinhas e a percentagem tem aumentado com a idade. Até os 19 anos apenas 1% dos brasileiros optam pela solidão, mas esta taxa chega a 15% partir dos 70 anos. As causas certamente são multifatoriais, no entanto, a sociedade parece ir se tornando cada vez mais individualista. Esta perspectiva talvez seja um reflexo do que acontece a nível mundial entre povos e nações. Desistir simplesmente da possibilidade de convivência com os outros é um pouco diminuir a esperança de convivência pacífica e harmoniosa no planeta.
Depois que se chega nos “Enta” existe uma tendência natural de se observar os tempos modernos com olhar atravessado. “ No meu tempo, sim, era diferente... a coisa era muito melhor..!” Esta é a frase mais típica dos mais maduros quando se detalham os sempre ditos vergonhosos costumes atuais. E ela é um moto-contínuo, sempre repetida de geração a geração. O que aconteceu : o filme passou à nossa frente sem que assistíssemos a ele. Claro que naqueles tempos, avaliando com nossos valores, tudo era melhor para nós : curtíamos o dourado caminho à frente , agarrados na direção, na boléia do nosso caminhão. Hoje, na carroceria, meio a reboque, contemplamos apenas a paisagem lateral que passa rápida e indefinida e a estrada distante enevoada que já se foi e não retorna nunca mais. Bons tempos aqueles !

J. Flávio Vieira

2 comentários:

  1. Oi,desculpe ir invadindo seus blog assim..
    Mas, seu texto me chamou atenção.
    Você escreve bem!

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  2. Bem vinda ao blog, que bom vc tenha gostado do texto !

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