segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Sem nexo (causal, ao menos)

E algum filho da puta inventou essa coisa de ser triste para justificar a genialidade. Ou seja, se não for um fodido, difícil ser algo perto de gênio, ou um escritor, quiçá qualquer coisa que marque pontos para eternidade. Melancolia é badulaque, moeda de troca, pressuposto, requisito. Ser um fodido, motivação criadora.

Eu creio nisso. Nessa possibilidade de que sem mostrar as tripas, a gente não consegue grande coisa. Ficamos num meio termo sem graça. Num ensaiozinho de literatura, numa coisinha sem pegada, sem colhão. Mas ainda não respondo se isso é derivado da fossa, ou de algum momento em que nossos olhos brilham de um jeito insuspeito. Num dia vacilão, sem chances, aparentemente.

Me vem o Waly e diz: pode ser festa, meu chapa. Me vem o Domingos para dizer que dá pra tirar leite de pedra, meu camarada. Me vem Sandro Ornellas, Lupeu, Ferlinghetti, Ginsberg, Fernando Pessoa (esse menos, a distância do mundo nos separa), a Hilda Hilst e me sopram no ouvido uns versos, umas ondas para me mostrar que sem isso, sem essa coisa de pegada forte, não funciona. Não dá. Não rola.

Mas o que fazer quando as coisas parecem lentas demais (vejam, minha velha obsessão por contas não pagas, pela grana e pela solidão a que me acostumei). Redivivo, único, receoso do obtuso da vida, do certo e do ponderado. Da coisa de ser o que todos querem.

Nada disso. Nada dessa morbidez de salões empoados e de pessoas chatas. Um bacanal antes disso. Antes do tiro na própria cabeça, um balaço na parede, portas ao chão, janelas escancaradas e pessoas com medo – afinal, elas não irão olhar para seu rosto, lúcido, translúcido.

Matéria podre. Li pouco do Kafka – me parece um sujeito cinza e travado; ele e suas perninhas de barata – e gosto dos que riem acima das desgraças. Meu sonho de envelhecer enquanto grelho filés numa praia deserta cada vez mais distante. Fazer o que? Talvez umas últimas linhas brancas com o que trouxe de Macondo – que é aonde de fato as coisas acontecem, desde o primeiro dia em que vi um pôster do Morrisson numa porta rangente.

Alheio ao carnaval e sem conseguir ler uma palavra sequer do Stendhal – o Julien cada vez mais forte, dono de suas vontades, um puta livro, e eu travado em dias quietos demais.

Um ensaio do Ginsberg numa revista cabeçuda – tradutores Uspianos e toda essa tralha de gente sabida demais, estragando o fluxo da cabeça do judeu Allen. Amigos que me ligam para dizer bobagens; uns projetos na cabeça e a mesma vontade sem nexo de cair fora – numa boa, sem essa de canos encostados nas têmporas; falo de mudar o curso da história e curtir minha barba num lugar de sol intenso, de ventos fortes, que destelham casas e velhas certezas.

4 comentários:

  1. Ei, Gustavo, dicunforça de novo! "Ah,se todos fossem iguais a você/ Que maravilha de ser!"
    Um abraço, mano.
    Salatel

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  2. Meu camarada,
    essa goteira não cessa.

    Esse teu vazio criador
    perceptivo das coisas mais insípidas (que nos enchem o saco e transbordam nossa alma) é a tal insustentável leveza.

    Gosto de ler textos em que as vísceras a gente tem que alcançar primeiro no chão.

    Um forte abraço,
    meu camarada.

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  3. Gustavo,

    Li a força implosiva de tuas palavras. Sinto-me tal qual. Buscando o silêncio ou não.
    Irmano-me nesses teus sentimentos do mundo.

    Abraço,

    Claude

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  4. mi casa tu casa
    e o vento que sopra telhas, se não der, a gente sopra. sol? tem. e lhe garanto que cuspiremos no cadáver baratal de kafka, tomando uma breja, e esperando alguma coisa: boa, forte de buena.
    um puta abraço.
    siempre

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