segunda-feira, 9 de março de 2009

A entrevista de Dom Fernando ao jornal "O Povo"


O tempo do perdão
Dom Fernando Panico, bispo diocesano do Crato e pastor da Comissão de Estudos para a Reabilitação Histórico-Eclesial do Padre Cícero,
revela a relação atual da Igreja com o padre já canonizado pelo povo

Ana Mary C. Cavalcante
da Redação

Devagar com o andor. Assim, a Santa Sé conduz o processo de reabilitação de padre Cícero. Quando dom Fernando Panico assumiu a Diocese do Crato, em 2001, o então cardeal Ratzinger - hoje, papa Beto XVI - lhe pediu que revolvesse os arquivos e garimpasse tudo sobre o sacerdote já canonizado pelo povo. Em 2006, dom Fernando entregou à Congregação para a Doutrina da Fé, em Roma, cerca de 2.500 páginas (11 volumes) e cinco anos de pesquisas. Desde então, com paciência, elemento fundamental da fé, e cautela, atributo dos sábios, dom Fernando (e milhares de devotos) espera uma resposta da Santa Sé. “O processo de reabilitação do Padre Cícero é altamente complexo, possui muitas variáveis”, considera, nesta entrevista realizada por e-mail. Enquanto isso, em Juazeiro do Norte, caminho de passagem de dois milhões de romeiros por ano, a Igreja, há muito, já fez as pazes com padre Cícero. “Não há como negar a bênção à imagem de quem é, para eles (devotos), padrinho, com toda força simbólica que essa expressão tem na nossa cultura”, celebra dom Fernando.
O POVO - Há algo novo no processo de reabilitação de padre Cícero, alguma manifestação da Santa Sé, desde que os documentos foram entregues, em 2006?
Dom Fernando Panico - A Congregação para a Doutrina da Fé, órgão da Santa Sé encarregado da análise do processo de reabilitação, ainda não se manifestou sobre o andamento dos estudos. Roma é a “cidade eterna”, portanto, o tempo, na Santa Sé, é diferente do nosso tempo aqui, nesta correria.
Mas, deixando as alegorias de lado: o processo de reabilitação do padre Cícero é altamente complexo. Além disso, é preciso muito cuidado nessa fase dos estudos porque há que se compreender que é uma situação muito delicada. Com toda transparência, a Congregação pediu a reabertura do processo, pediu que encaminhássemos toda documentação concernente ao padre Cícero arquivada na Diocese de Crato. A Comissão de Estudos para a Reabilitação Histórico-Eclesial do Padre Cícero, instituída por mim, trabalhou durante cinco anos na preparação e elaboração do documento que contém 11 volumes e por volta de 2.500 páginas.

OP - Qual a expectativa em relação à resposta da Santa Sé sobre a reabilitação?
Dom Fernando - Desde que foi a própria Congregação para a Doutrina da Fé quem pediu a reabertura dos arquivos da Diocese de Crato, está claro que a Igreja está disposta a reconhecer que errou, como já tantas vezes fez, e, mais ainda, a pedir perdão. A Igreja Católica, como qualquer instituição composta por seres humanos, é passível de erro. Penso que, muitas vezes, o Espírito Santo tem que fazer um esforço grande para impedir que nós, membros da hierarquia eclesiástica, erremos. Não vejo qualquer dificuldade em que a Igreja reconheça, se isso se verificar - segundo os novos estudos realizados, que errou no caso do padre Cícero.

OP - Na sua avaliação, o que levou o então cardeal, hoje papa Bento XVI, a solicitar ao senhor esse estudo para a reabilitação de padre Cícero?
Dom Fernando - Não é segredo para ninguém a quantidade de pedidos que chegavam à Congregação para a Doutrina da Fé, para que o processo sobre padre Cícero fosse revisto. O então cardeal Ratzinger, com toda inteligência que Deus lhe deu e com toda responsabilidade que seu cargo como prefeito da Congregação exigia, ao menos deve ter se inteirado do antigo processo levado a efeito pelo Santo Ofício, nome antigo da atual Congregação. E deve ter percebido que faltavam muitas informações contidas nos arquivos da Diocese de Crato, considerando que a referência oficial eclesiástica de um último trabalho de pesquisa era da década de 70 do século passado. Por isso, o pedido de abertura dos nossos arquivos. Não só abrimos os arquivos, como disponibilizamos todos os documentos encontrados para o estudo em Roma.

OP - A Igreja ainda não reconheceu padre Cícero como santo, sequer concedeu a reabilitação, mas não mais reprime, como já quis reprimir, as práticas religiosas dos romeiros. Não há o reconhecimento de sua imagem como fonte de milagre, mas, nas missas, em Juazeiro, as imagens de padre Cícero são abençoadas. Que relação a Igreja mantém com padre Cícero, atualmente? Dom Fernando - Por tudo que nós, nesses últimos anos, aprendemos sobre padre Cícero, do que ele representa para os fiéis, de como constitui parte da identidade do povo nordestino, não há como negar a esse mesmo povo que todos tenham, em suas casas, a imagem que representa para eles a profunda relação com Deus, com Nossa Senhora, com a Igreja Católica; o que ele representa de força, de luz, de alegria, de conforto, de esperança. Não há como negar a bênção à imagem de quem é, para eles, padrinho, com toda força simbólica que essa expressão tem na nossa cultura.
Em minha carta pastoral “Romarias e Reconciliação”, afirmo a importância de padre Cícero: “Seguindo os passos do padre-mestre Ibiapina, padre Cícero foi, no seio do Nordeste, um incansável apóstolo da devoção à Virgem Maria e do seguimento fiel ao Jesus de Nazaré, o homem das Dores, a luz do mundo, coração aberto para todos. Fruto de sua formação no seminário e da espiritualidade do seu tempo, três foram os grandes eixos da ação pastoral de padre Cícero e da sua vida de fé: a dimensão eucarístico-sacramental; a vivência da compaixão e solicitude para com os sofredores e, finalmente, o amor ao Santo Padre, como expressão de fidelidade à Igreja.

OP - Retomando o milagre: a transformação da hóstia em sangue aconteceu uma centena de vezes. Qual o destino dos panos que Maria de Araújo usava para limpar o sangue? Que provas ainda restam, hoje, do milagre? Há novas provas?
Dom Fernando - É verdade que o sangramento da hóstia aconteceu mais de uma centena de vezes, no espaço de cinco anos, 1889 a 1893, pelo que os documentos recém descobertos nos apontam. Em geral, acontecia no tempo litúrgico da Quaresma, tempo para se meditar sobre a Paixão de Jesus Cristo. Maria de Araújo dizia que sofria, junto com Nosso Senhor, as suas dores, para redimir o mundo dos pecados. Esse sangue que vertia da hóstia consagrada e escorria pela boca da beata era recolhido nas toalhas, nos sanguíneos, panos litúrgicos usados na celebração da eucaristia. Por ordem do bispo do Ceará, dom Joaquim José Vieira, obedecendo ao Decreto de abril de 1894, mandou que os panos fossem queimados assim que encontrados. Durante muito tempo, ficaram escondidos, principalmente, em mãos das pessoas que acreditavam, piamente, que o sangue da hóstia consagrada era o sangue de Jesus.
Até que, encontrados, foram queimados - não na totalidade - no Seminário São José, na cidade de Crato. Os panos que nos chegam hoje estão, em sua maioria, lavados (porque era assim que se procedia. Era necessário purificá-los do sangue de Cristo) e, portanto, sem matéria para uma possível análise de laboratório. De qualquer forma, sem negar a importância do exame científico, a Igreja deve ocupar-se, pastoralmente, com os frutos desse possível milagre: nossos romeiros e romeiras que, a cada dia, nos ensinam a amar a Deus, a Nossa Senhora e ao padre Cícero. Leia aentrevista na íntegra no portal: www.opovo.com.br/conteudoextra

E-MAIS
> Um fato inusitado aconteceu com a entrevista de dom Fernando Panico. Feita por e-mail, ela foi publicada no site da Diocese do Crato antes de sair no jornal, pegando esta edição de surpresa! Quem deu notícias do acontecido foi a ombudsman Rita Célia Faheina.
RESUMO DA SÉRIE
> A série “O milagre de Juazeiro” foi motivada pelos 120 anos do fênomeno hóstia-sangue, acontecido, em Juazeiro do Norte, entre 1889 e 1893. O POVO volta a mexer nos arquivos da Igreja e de pesquisadores. Os textos recuperam Maria de Araújo, padre Cícero, o milagre, os romeiros, enfim, as peças de um caleidoscópio chamado Juazeiro do Norte.

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