segunda-feira, 23 de março de 2009

O JOGO DE TODOS OS ERROS


(ou Insight tardio de um político do interior do Brasil)


Dr. Totonho, como agora era chamado Antônio de Manu, pai de família zeloso, católico praticante, político carismático, etc. e tal, já passara dos setenta anos, mas fazia questão de manter a fama de garanhão que cultivou desde os tempos juvenis. O motel Shangri-lá, entocado num pé de serra, era o palco ideal para as suas proezas nessas noites de luxúria como aquela, - mesmo que fosse agora à custa da maravilha azul que eram os comprimidos de muitas marcas, modelos e nacionalidades, conseguidos gratuitamente por seu secretário de assuntos aleatórios, Zé Priquitim - quando esperava ansioso acordar da dormência “o majestoso” ao fitar com desejo animal uma putinha fuleira que nua saracoteava os quadris de frente ao espelho, numa grotesca “dança do ventre” embalada pela voz gasguita da croonner de uma banda de forró eletrônica. Foi no instante em que “a coisa” começou a dar sinal de vida que a musiqueta chata e inconveniente do celular disparou no meio da noite. De um pinote só Dr. Totonho alcançou o telefone na cabeceira da cama redonda e... - Alô! Alô! – atendeu apreensivo. Do outro lado da linha a voz fanhosa de Zé Priquitim vaticinou: - O governador amarelou! Dr. Totonho emudeceu. Não quis mais ouvir nada e com violência arremessou o aparelhinho contra uma das paredes espelhadas. - Puta que o pariu! Aquele veado foi pro lado de lá! Filho da puta! – esbravejava. De uma só golada esvaziou o copo de Campari-gelo-limão que se encontrava na outra mão. Respirou fundo. Quis organizar os pensamentos. Contudo, o mal estar causado pela notícia embaralhava a cabeça de cima e murchava mais ainda a de baixo. Desesperado, formulou conjecturas em busca de respostas: Onde foi que eu errei? – questionava. Obedecera com pragmatismo a cartilha do marqueteiro importado da capital e contratado a peso de ouro durante toda a campanha que findara na última quinta-feira e não enxergava nenhum furo de sua parte. Onde? – se perguntava. Hoje é sábado e a eleição será amanhã, domingo, porra! Não havia mais tempo para mudar um quadro que ora parecia não favorecê-lo. A última pesquisa divulgada pela imprensa local indicava um empate técnico com Zequinha das Latas na disputa para o cargo de prefeito daquela cidade de porte médio no interior do Nordeste. Ele queria ser reeleito! Tinha a prefeitura na mão e isso já era uma vantagem grande! Agora, o Governador, que podia ficar quieto na sua casa rosada, pendeu pro lado de lá! Fudeu tudo! - resmungava. Sabia que os malotes com o dinheiro da Capital agora iriam para a casa do seu oponente mais direto, o que conferia a Zequinha das Panelas uma real vantagem na compra de votos dos “indecisos”. Impaciente, deu voz de comando pra rapariga: - Se vista rápido, mulher! Perdi o tesão! Rapidamente pagou a conta e saiu do motel, desovando a guenga bem perto da churrascaria onde ela fazia ponto, para que não perdesse totalmente a noite. Procurou o rumo de casa e lá chegou silencioso, sorumbático. Apaziguou os cães que guardavam um casarão enorme de muros e cercas elétricas, com muitas suítes, piscina, ampla área verde e outros espaços agradáveis que em tempos idos eram preenchidos com o sorriso dos filhos pequenos, familiares e amigos sinceros – sem os bajuladores - e que agora abrigava somente ele, a esposa beata, uma velha negra herdada da mãe que cuidava de tudo e, mais, um jovem caseiro dedicado aos serviços do jardim, mandados e outros afazeres domésticos. Encafifado, caminhou na direção do escritório/biblioteca e lá se afundou confortável numa cadeira. Em seguida, escarafunchou todas as gavetas da escrivaninha até encontrar a agenda com as anotações que delinearam o projeto político de sua campanha e, com esmero, refez todos os passos daquela que agora lhe parecia fadada a derrota, mesmo repetindo o mesmo cardápio da campanha vitoriosa de quatro anos atrás: associar-se a empresários corruptos para o financiamento da campanha; comprar por trinta dinheiros os vereadores do lado opositor; nos comícios, nos programas de rádio e na TV, pasteurizar seu discurso para um socialismo de “boutique” e chamar de “companheiro” tudo que era aliado; espezinhar as lideranças das associações de bairro e da zona rural que reivindicassem saneamento, saúde e transporte escolar; escamotear as estatísticas que denunciassem o caos na saúde do município; ignorar os apelos para trazer qualquer indústria ou empresa que gerasse emprego e renda para os milhares de desempregados que lotavam as praças de pedra e cimento que impostas aos bairros, com orçamento superfaturado, visando à sobra de recursos para a sua campanha; não tomar conhecimento de verbas do Governo Federal que financiassem a baixo custo a construção de casas populares; enxotar e ameaçar os que nas ruas ousassem denunciar as falcatruas de sua gestão e, ainda, se possível, comprar o silêncio dos repórteres/jornalistas/radialistas que na imprensa falada e escrita influenciavam diretamente a opinião pública; fazer ouvido de mercador para as denúncias da representação de mulheres vítimas de violência; apadrinhar casamentos e batizados; arrematar tudo quanto era de prendas nas quermesses e leilões das festas de padroeiros de todos os bairros da cidade; acompanhar o maior número possível de procissões dos santos católicos e (na surdina)até assistir a cultos evangélicos; montar um blog na internet para popularizar sua imagem e, golpe final, como ponto alto de sua administração, mesmo sob protestos dos ambientalistas de carteirinha, asfaltar toda a cidade, sem se importar com a elevação da temperatura ambiente em 2º graus C. Entretanto, sabia, este era o mesmo catecismo de reza do Zeca das Panelas, o bicheiro, que agora estava a receber as benesses do apoio governamental do Estado e não ele, Totonho de Manu, que não era nenhum abestado porque desde o início da campanha já panfletava seus “ santinhos” com pose risonha ao lado do Presidente da República, mais popular que o óleo de pequi nas feiras do Cariri cearense. Então, concluía: a disputa ainda estava pau a pau ou voto a voto! E, como bem dizia Zé Priquitim: não havia diferença alguma entre ele o Zeca das Panelas! Eram os dois farinha do mesmo saco! Pegou o telefone e, mesmo de madrugada, discou o número do secretário que, surpreendentemente, tinha se escafedido. Discou outro número e chamou um táxi. Incógnito, no banco traseiro do carro com vidros fume, percorreu todos os bairros da cidade que pareciam viver uma esplendorosa noite de Natal com todas as pessoas a espera de Papai Noel! Carros e motos transitavam freneticamente, distribuindo aos munícipes pacotes embalados para presente, caixas de fósforos com dinheiro, cestas básicas, medicação tarja preta e outras drogas psicotrópicas, etc. e tal. Esse frisson só amenizava quando um carro da polícia federal ensaiava uma repressão de araque! Viu com os próprios olhos que a terra um dia haverão de comer o que não queria ver: todos os seus “aliados” e adversários estavam ali numa gangue em torno do mesmo projeto de corrupção em busca do poder a todo custo. Com alguma tristeza e uma revolta contida pediu ao motorista que o conduzisse de volta para casa. Melancólico, ao atravessar o salão de visitas foi surpreendido por seu olhar que descobriu muitas fotos que adornavam as paredes da sala e, particularmente, não se reconheceu naquele portrait, pintado a óleo por uma artista local, onde aparecia como um empresário de sucesso, homem íntegro, sagrado maçom, rotariano diplomado, benfeitor do abrigo de idosos, um estranho. Qual o momento crucial que determinou aquela transformação de homem bom para o calhorda em que se transformara? - refletia. Águas passadas não movem moinho e pra frente é que se anda, homem! – o demônio sussurrava ao seu ouvido. Desviou o olhar e encontrou na mesinha do centro da sala a revista que o obrigaram a assinar para não ficar de todo alheio ao que se passava no mundo da política fora da sua paróquia. Arregalou bem os olhos para a reportagem de capa da revista e, arretado, vociferou: Por que diabos aquele marqueteiro filho de uma égua não pensou nisso, também! Afinal, se em Brasília, ninho de todos os políticos de sucesso, é a última moda para o presidente, a primeira ministra, deputados de todos os escândalos (mala, cueca, mensalão), aqui neste Sertão de meu Deus podia ter feito toda a diferença. Aguarde-me, Brasília! Na próxima eleição para Deputado Federal não vou dispensar esse tal de botox!
(Com a euforia, o “mastro” de Dr. Totonho pulsou pujante e despertou de sua latência. Sem vacilar, cheio de tesão e amor pra dar, procurou o quarto da esposa beata que com estranheza notou a presença do marido na cama mas, depois, ficou envaidecida e grata pela preferência.)

Um comentário:

  1. "Cine Cassino"


    O filme “Amores Clandestinos” fez sucesso , nos anos 60. Vinha bem a calhar, dentro do contesto da época.
    Depois de comprar o ingresso, passar pelo porteiro, delegado de menor, entrava na penumbra da sala, e esperávamos o apagado de todas as luzes.
    O único que conhecia todos os segredos ocultos era o Lanterninha. Focava cadeiras vazias, e focava por “descuido” aquelas ocupadas pelos casais, justo, os que fugiam da luz... Dos olhos da família, do preconceito social, e da própria timidez.
    Tinham naturezas diversas, posto o dito: amores impossíveis, amores nascentes e crescentes...Amores dos amasses ( puro cheiro, puro sarro)...Amores tímidos, ingênuos e trêmulos ; amores despudorados, explícitos na “safadeza” do poder hormonal...Todos eram instigados , pela cumplicidade de um escuro técnico .
    Muitas “pernas gordinhas”, (como a canção do Tiago Araripe), molhadas, sedosas, balançavam pés nervosos. Beijos de língua, de pescoço, de outras partes, outros pedaços do corpo... Como mãos, e bochecha do rosto!
    Enlevada no enredo do filme, desligava-me da terra. , mas perdia meu olhar, muitas vezes, na doce tensão da espera.
    Um dia, ele chegou, e sentou-se numa fila adiante de mim. Encostou sua cabeça numa peruca canecalon, loura com a da Marilyn... Meus olhos desviados da tela ficaram lá, pregados e chorosos, naquele bandô total, que recebia afagos, e abraços.
    Quando a fita anunciou o “THE END”, sorrateiramente mudei de lugar, e aproximei-me mais um pouquinho, pra descobrir na saída, se era azul, os olhos daquela diva.. O moço correu apressado, antes do acender das luzes. Enfim tudo claro! Eram dois olhos morenos. Olhos conhecidos, subservientes, corajosos e apaixonados....
    Covarde, o meu gato!
    Estava lá, a musa de tantos brotos!

    Era assim, o cotidiano do maior entretenimento da City.... Divertia, aproximava, e escondia. Transportava os nossos sonhos para o glamour hollydiano. Se não existisse a censura do Bispo, colada no mural do Café Crato, acho que não teria perdido nenhum drama escandaloso, que o cinema ensinava. Mas eu estava lá... Em todos de Marisol. Joselito, Shirley Temple, Walt Disney...
    Nunca, em “Amores Clandestinos” – (clássico com Sandra Dee e Troy Donahue – trilha sonora - Theme From A Summer Place... Linda!!!).
    Namorei sem pegar na mão... Só no roçar dos braços. Mas não nego a presença do tesão, nas orelhas afogueadas. Namorei com cochichos no pé do ouvido. Com mordidas no pescoço, e balas pepper, zorro, ou anis.
    Namorei com os meus ídolos... Puros, românticos, sofredores, heróicos, belos, e gentis.
    No Cinema não faltava:
    Assovios
    Suspiros
    Gemidos
    Choros... Alguns até convulsivos. (Chorei assim, no filme Irmão Sol e Irmã Lua, e até na Paixão de Cristo).
    A vida se harmonizava na sala de projeção.
    Tempos sem analistas, psiquiatras...
    Tempos de sessão de risos com Jerry Levis, Cantinflas, o Gordo e O Magro, e Zé Trindade.
    O Cassino de hoje é um campo de energia obscura. Ficou apenas o escurinho do cinema, na beleza deteriorada.
    Perdemos a cortina grená. O lanterna iluminando a paixão dos casais...
    Foram-se o misturado dos perfumes, o mascarem dos chicletes Adams, o estouro das bolas do ping pong, na falta do beijo amado.
    Era bom, até cochilar de viver, naquele ninho!
    Nada mais excitante, aventureiro e libidinoso, do que um encontro clandestino, na sessão das 4, no Cinema Cassino.
    O Lanterninha que ressuscite essa “Cratíadas”, como já fez Zé do Vale, noutro contexto.



    Socorro Moreira





    P.S
    Esse texto é também dedicado ao meu amigo Luiz Carlos Salatiel , grande intérprete da música "Cine Cassino" do Tiago Araripe.




    "O jogo de Todos os Erros" - Excelente texto !



    Abraços apertados !
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