quarta-feira, 18 de março de 2009

O mito do neoliberalismo.

Paulo Roberto de Almeida, grande cientista social e economista, escreve algumas notas rápidas sobre o que comumente é passado de forma errônea nas universidades sobre o neoliberalismo. De forma clara e objetiva, ele nos remete a uma série de reflexões sobre a problemática em questão. Vejamos ao longo de cinco postagens os erros mais comuns:

1. Da pouco nobre arte de ser falaz
Falácia, segundo os bons dicionários, é a qualidade ou o caráter do que é falaz, que, por sua vez, é um adjetivo sugerido como sendo o equivalente de enganador, ardiloso ou fraudulento, ou, ainda, quimérico, ilusório ou enganoso. Pois bem, ao longo de minhas “peregrinações” acadêmicas, tenho tido a oportunidade de deparar-me com exemplos de afirmações, argumentos, postulações, teses ou artigos inteiros que correspondem ao caráter enganador ou, até mesmo, fraudulento contido nesse adjetivo. Comecemos esta série por um dos mais recorrentes em nossos tempos.
Como sabem todos aqueles que convivem com a literatura acadêmica na área de ciências sociais, nenhum conceito tem sido tão equivocadamente mencionado no ambiente universitário, nas últimas duas décadas, quanto o epíteto “neoliberal”, junto com o seu correspondente coletivo e doutrinal, o “neoliberalismo”. A incidência estatística de seu (mau) uso é tão notória, que se poderia falar de uma verdadeira epitetomania anti-neoliberal, dirigida contra todas as políticas econômicas associadas, de perto ou de longe, ao chamado mainstream economics, este representado pelas correntes ortodoxas de pensamento e suas práticas econômicas correspondentes.
Junto com o substantivo usado e abusado de globalização, ou, ainda, o tão mais detestado quanto praticamente desconhecido programa econômico do “consenso de Washington”, o neoliberalismo converteu-se, simultaneamente, em um xingamento e em um slogan de uso praticamente obrigatório por todos aqueles que pretendem desqualificar e condenar as políticas e as práticas da escola econômica convencional. Eles o fazem, supostamente em nome de uma outra orientação, de uma doutrina ou de uma escola, que seriam, alegadamente, heterodoxas, alternativas e até mesmo opostas às primeiras. Os argumentos e teses utilizados para esse tipo de condenação são pouco compatíveis com um trabalho analítico sério, ou seja, capazes de passar pelos testes da coerência, relevância, compatibilidade com os dados da realidade e passíveis de aferição, independentemente dos próprios argumentos que sustentam a acusação.
Nesse sentido, o neoliberalismo já se converteu em um mito acadêmico, isto é, deixou de significar uma realidade empírica, aferível por dados extraídos de alguma situação concreta, para passar a representar uma entidade nebulosa, definida de modo muito pouco precisa, aplicada a diferentes conjunturas de países e políticas vagamente caracterizadas como pertencendo ao domínio dos “livres mercados”, em oposição ao que seria uma regulação estatal mais estrita. Não se é neoliberal por vontade própria, mas apenas por ter sido assim catalogado por aqueles que detêm o monopólio dessa classificação, que são, invariavelmente, os opositores de supostas idéias “neoliberais”.
Por certo, existem muitos outros abusos acadêmicos em relação a diversos conceitos que são usados indevidamente no panorama pouco rigoroso das nossas “humanidades”, entre eles o de classe, o de imperialismo, o de burguesia e vários do mesmo gênero. Contudo, o manancial de falácias que brota sem cessar a partir do uso inadequado do adjetivo “neoliberal” é provavelmente o mais abundante e o mais disseminado de que se tem registro desde os anos 1980. São tantas as variedades de uso e as manifestações qualitativas – ainda que superficiais – em torno desse termo, que fica difícil ignorá-lo como o campeão absoluto de referências numa série analítica que pretende, justamente, examinar alguns exemplos de falácias acadêmicas. Seu uso é tão corrente e banal que pode ser espinhoso selecionar uma “falácia” representativa de toda uma corrente de pensamento que se propõe aqui submeter ao crivo da crítica argumentada e sistemática.
Encontrei, porém, no contexto de minhas leituras, um texto suficientemente representativo de uma falácia acadêmica associada ao dito conceito e perfeitamente ilustrativo do mito mencionado no título deste ensaio. Vou proceder à citação do texto em questão, submetendo o trecho selecionado à crítica que pretendo fazer de toda uma orientação doutrinal muito comum nos meios ligados à comunidade universitária que se move em torno das chamadas humanidades. Os únicos critérios que me guiam na releitura crítica do texto em questão são aqueles que se espera encontrar em todo e qualquer trabalho acadêmico: clareza na descrição ou exposição dos fatos, coerência na apresentação dos argumentos, relevância do discurso para a realidade de que se pretende tratar e sua adequação aos dados dessa própria realidade.

8 comentários:

  1. É... O Celso Furtado ou o Lauro Campos é que estão errados...
    Esse senhor anti-anti-neoliberal é que está certo...

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  2. Caro Antônio Sávio,
    Muito útil suas postagens repondo a verdade.
    Você será execrado por apresentar uma versão diferente que
    as esquerdas (e até certa faixa da elite pensante), as universidades
    publicas, a imprensa jurássica, etc. apresentam aos desinformados sobre o neoliberalismo.
    O carioca Nilo Sérgio Gomes enfrentou anos atrás – no meio
    universitário – toda a carga de preconceito desses segmentos; arrostou incompreensões, sofreu calúnias várias...
    tudo porque não quis ser um integrante a mais da
    “carneirada” que defende o modelo falido do socialismo real.
    Segundo ele:
    “Naqueles anos, eu me senti, às vezes, inteiramente só. Uma solidão teimosa e orgulhosa, é certo, mas marcada pela coerência e tenacidade... Tudo construído em meio a sofrimentos e hesitações”.

    Não creio que mudou muito o ambiente universitário no terceirto mundo.
    Bem verdade que hoje os arautos do atraso já não exercem o fascínio de
    outrora. Mesmo assim são tenazes em contra-argumentar com
    falácias. Exauridas essas, partem para o deboche que soi acontecer
    com os que não têm argumentos sólidos e cuja ideologia se baseia
    no ódio irracional cujos resultados são conhecidos por quem lê sobre a realidade da Cortina de Ferro de ontem e de Cuba,Vietnam, Coréia do Norte de hoje...
    Outro dia li, com profunda tristeza, um estimado amigo meu falando na clonagem de um cartão numa agência do Bradesco (sucedânea do BEC )
    escrever: “obrigado tucanos neo-liberais”.
    Ou seja, o meliante era fruto da ideologia dos tucanos...
    Não sabe esse amigo que o BEC foi privatizado pelo atual presidente Lula da Silva e que as maiores vítimas das clonagens são os clientes do Banco
    do Brasil (estatal) espalhados pela vastidão do nosso país...
    Por ai se vê como é arraigada a idéia errônea dos que defendem
    o estatismo superado no tempo e no espaço.

    Sávio: louvo sua coragem pessoal.
    Serei seu leitor nas postagens seguintes.

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  3. Meu caro Darlan, como sabemos, é óbvio que temos posições ideológicas totalmente contrárias. Parece-me também óbvio sua vontade de fazer um mundo melhor, pois em suas palavras vemos que tenta fazê-lo de modo apaixonado e é justamente aí onde as coisas complicam. As paixões nos são necessárias até determinado ponto, mas é de nossa responsabilidade perceber quando elas começam a comprometer nossos raciocínios. Não estou aqui dizendo que você não pensa! Longe disso. Mas apenas digo que você pensa de modo apaixonado demais para um homem das ciências. Não sou, como é fácil acusar (não que você tenha o feito) um economista frio ou um matemático desumano. Esse é um argumento muito usado por gente metida a se dizer mais humana que as outras, como se fossem a medida de todas as coisas. Quero aqui atentar para algumas reflexões: um professor dito honesto, deveria, como é de responsabilidade de sua profissão, saber o máximo possível sobre o objeto de estudo que ele se propõe a lecionar. Alguém que escamoteia parte dos fenômenos sociais que estuda é incompetente ou desonesto. O aluno comum, dos cursos de história, geografia e ciências sociais da URCA é um coitado. Vítima desde o primeiro instante de uma lavagem cerebral violenta. Eu falo isso pois até agora sou um deles. Não aqui cuspindo no prato que comi. A questão é outra: estou sem comer nada até hoje, se o caso fosse um conhecimento passado de forma honesta. Qual a defesa que um aluno de história tem no primeiro semestre ao estudar a enxurrada de textos que exaltam o socialismo? Metodologicamente há aí um erro extremo. Pinçam um pensador da história da filosofia e fazem dele uma caricatura semelhante ao que se fazem hoje no fotoshop as meninas fúteis. O coitado, sem nenhuma defesa toma aquilo como verdade, ainda mais porque é grande a violência psicológica que é feita nos textos: “Milhões de pessoas morrem de fome todos os dias por causa desse sistema pensado pelos países ricos que escravizam os pobres”. O pensador mirim é assim pego pelo gogó e não tem alternativa. Mas vejamos bem. Quem nos cursos de história e geografia tem alguma disciplina de história do pensamento econômico, teoria econômica, economia brasileira ou macroeconomia? Adivinha? Ninguém. Mas aí muda-se o discurso: “Isso não é de nossa responsabilidade. Não é nosso objeto de estudo”. Ora meu caro, então como você se propõe a falar de algo que, como sabemos, dada a sua complexidade, vai além das possibilidades da história, geografia e das ciências sociais? Só resta aí, ao estudioso honesto, arregaçar a cadeira e estudar as maleditas disciplinas contidas no bojo da ciência econômica. Não é a toa que o povo da economia tem como piada esse discurso fajuto. O aluno então prossegue em sua via crucis, que por sinal pode ser levada até o doutorado de forma mais ou menos confortável, isto é, se ele não questionar nada! Eis outra pergunta. Os defensores do socialismo nunca se fizeram uma auto-crítica? Nunca pensaram: “Eu posso estar errado”? Não nunca! Há aí uma condenação ao perfeito. São como Macunaíma, já nascem prontos e sem necessidade de revisão. Antes de modelar uma cabeça inocente, um professor honesto dá autonomia aos seus alunos. Mas como pode (perdoe-me a palavra) o infeliz do aluno ter autonomia se ele tem um curso inteiro guiado por uma doutrina que matou cem milhões de pessoas? Aí dizem: “Háaaa, mas o capitalismo matou muito mais...”. Quem dos alunos de história sabe o que disse Adam Smith, Thomas Malthus e David Ricardo? Quantas obras de tais economias são estudas de fato? Adivinha de novo? Nenhuma. O estudante da ala macabra das ciências humanas é jogado numa guerra de conceitos e ideologias onde todos estão armados de fuzis, tanques de guerra e carabinas, e ele nu, com uma baladeira na mão. Aí é para matar o coitado mesmo. Sai ele da universidade (de) formado, mais parecendo uma escultura cubista. Saber o que foi a economia austríaca que rebateu cabalmente as falácias do velho barbudo? Nunca! Ler de fato as obras dos liberais in loco? Dá tempo não. O curso tem que andar. Temos que (de) formar o aluno em quatro anos! Ler algo como Voeglin? Deus pai que nos livre! Estuda-los como se deve...leva tempo, muito tempo. A prudência, a verdade nas ciências é construída com esforço e paciência, mas fazer pseudo-intelectuais...a urca faz fornalhas gigantescas prontas a cada semestre para disseminar o surrealismo nas ciências nos quatro cantos do mundo. Estou saindo este semestre da urca onde, quase contaminado, ia tentar um mestrado em geografia urbana. Como sempre achei curioso este único discurso visto do começo ao fim do curso resolvi tentar estudar algumas coisas por fora. Foi com desgosto que fui percebendo que boa parte do que eu havia estudado com esforço era balela. Fiquei sem chão, mas, fazer o que? O que fazer? Ora, é claro que é estudar. Desde já meu mestrado está adiado. Meu compromisso maior é com a verdade das idéias e não com o tempo que elas podem durar. É com a verdade das idéias e não com um emprego, é com a honestidade intelectual e não os louros que uma banca de “doutores” (muitos são doutores em vigarice com os diplomas assinados pelo próprio Dick Vigarista) possam fazer inflar meu ego bestunto. Desde já afirmo que por tais palavras, a partir do momento que eu perceber que em alguma das idéias que defendo estejam erradas, abandono-as em busca da verdade. Não tenho compromisso senão com a verdade. Se elas pois, em algum momento me parecerem falsas, será com prazer que desfaço o serviço, mas até agora elas me parecem bem convincentes, verdadeiras e sobretudo honestas. O que almejo para a URCA é que um dia ela possa ser mais honesta com seus alunos. Dar diplomas é uma coisa, formar um ser humano...isso pelo visto não é de responsabilidade de quem esconde para debaixo do tapete grandes intelectuais da humanidade. Quando eu ver na grade dos cursos de história e geografia as disciplinas da economia que citei acima, além de uma série de outros intelectuais que jamais foram citados por aquelas paragens, eu terei a leve sensação que podemos realmente ter um debate. Se não...não há o que discutir. A desonestidade e o catecismo marxista continuaram sua longa marcha na universidade. Há quem diga que a história vai além dos livros do Eric Hobsbawm, a economia além do Celso Furtado e geografia além do Milton Santos

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  4. Armando agradeço a você assim como ao Darlan não só por ser um leitor do que eu tenho postado aqui, mas sobretudo por engradecer o debate que vamos construindo ao longo do tempo. De forma saudável e madura vamos expressando nossas idéias, que no meu caso, não são diretamente minhas, uma vez que faço uma postagem retirada de outros sites, escrita por outros autores. Tenho aqui a agradecer-lhe pois tenho aprendido muito com você, com o que escreve e o modo como você oberserva este país. Acho que os pontos que venhamos a discordar não minimiza, mas, engrandece a cada participante atento que possa retirar o que há de melhor no discurso do outro. Mais uma vez obrigado.

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  6. Antônio Sávio, eu não fui desrespeitoso contigo. O autor do texto desqualifica quem usa o termo neoliberal.

    A ciência econômica não é neutra e imparcial e o neoliberalismo é uma política, assim como o liberalismo, o keynesianismo, o trabalhismo e outras, todas com ações que visam, de formas distintas, a manutenção da ordem social do capital.

    Sobre o uso do termo neoliberal, sinceramente não acho que é só uma verborragia de esquerda. Existe ou não uma teoria econômica, política, uma filosofia neoliberal?
    Quando em 1873, o termo Economia Política foi substituído por "Economia", ali havia uma operação política ou não, ou o uso do termo "economics" foi simplesmente uma questão científica?

    Sua crítica aos regimes socialistas que existiram é procedente e é preciso criticá-los sim, mas essa é uma outra questão. Crítica e autocrítica são imperativas. Já a propaganda política contrária a eles, por motivos políticos, vai ser combatida assim: politicamente.

    Sobre o marxismo em universidades, concordo com você que é mal ensinado e muito mal utilizado, talvez porque é mal interpretado ou quase não se lê.

    Se lessem e nós marxistas fossemos eficientes, acho que teríamos influência maior. Mas não o somos.

    As pessoas não só não leem Adam Smith, elas não leem também Marx e outros... E tá cheio de apostila explicando esses autores por aí!!!! Apostilas...

    Sobre a URCA, tens razão também, os alunos sofrem com várias interpretações questionáveis. E não só isso, uma parte considerável de professores não cumpre a Dedicação Exclusiva: não pesquisam, não fazem extensão e ainda faltam as aulas ou oferecem sofríveis. E ainda desrespeitam a Dedicação Exclusiva dando aula fora em cursos de outras faculdades.

    Porém, acho injusto colcoar a "lavagem cerebral" do marxismo. No curso de História, 3 professores se declaram marxistas e usam suas teorias. O restante ou não é e não usa ou é anti-marxista declarado.

    Sobre a execração referida em postagem anterior, quem a sofre muitas vezes são os que vem de fora e são perseguidos por isso ou os ateus, por exemplo, que pagam um preço caro por não acreditarem em deuses e sofrem duras discriminações!

    Saudações.

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  7. Darlan sei muito bem que não foi desrespeitoso comigo e tampouco fui com você. Mas não venha me dizer que o termo lavagem cerebral possa ser uma agressão... Convenhamos que agressão é o que fazem os lotes de professores da URCA desrespeitando os alunos. No mais, pelo visto nossa visão é totalmente diferente não só em relação ao que se passa na política, mas também sobre o que passa na universidade. Se lhe parece que o termo “lavagem cerebral” é agressivo também me é parece violento escamotear conteúdos, distorcer a história, negligenciar a possibilidade de autonomia intelectual de qualquer ser humano que esteja sobre a terra, ainda mais se estivesse sobre minha responsabilidade como meus alunos. Espero que a minha opinião não lhe pareça algum ataque pessoal. Me refiro simplesmente aos professores que assim agem assim. Se você não é um deles não tem porque se sentir mal.
    Um abraço.

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  8. Não achei que fui referenciado nem me senti mal.

    Só acho que lavagem cerebral não é o termo correto.

    E não subestimemos os alunos, eles não são tão manipuláveis ou inocentes que não percebem nada. Muitos são é acomodados e individualistas o que é outra coisa. E outros querem o diploma e pronto.

    Agora se observarmos a produção acadêmica, você notará que a influência marxista é ínfima.

    Mas qual critério você deseja utilizar para medir essa influência? O discurso panfletário? Isso é outra coisa e é inerente ao ambiente acadêmico assim como as vigílias e procissões são inerentes ao ambiente católico. Se é bom ou ruim, cabe a quem o recebe, refutá-lo ou aprimorá-lo.

    Saudações.

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