Não carecia ciência de ornitólogo, quem dele se aproximasse perceberia imediatamente: não se tratava de um pássaro qualquer.Pequenino e sorrateiramente fosco, suas penas não se tingiam com o multicolorido dos sofreus, o bico minguado perdia facilmente, na força e na agudeza, para o da graúna, a cabeça não carregava cocares de galo campina e as asas, enganosamente, não tinham lá grande envergadura.Até uma das expressivas pupilas da ave parecia embaçada e imóvel e uma das patas( atingida por um dos bodoques do destino) já não conseguia agarrar o galho em feitio de visgo. Um pássaro não se faz de penas,de bicos, de asas e de cores ? O que havia de especial naquele ?Ah aquele pássaro era definitivamente único ! Não bastasse o canto mavioso que ecoava de dentro daquele peito frágil : Um canto que despertava a caatinga e fazia eclodir as flores do bugari! Um canto que, nascido em meio à fragilidade e à leveza , se amplificava , estranhamente, nos corações e mentes de todos aqueles a quem tocava ! Não bastasse tudo isso, aquele canto tinha o mágico poder de destruir as talas de todas as gaiolas do mundo.Quem o seu trinado tocasse, como num estralo de hipnotizador, despertaria para as injustiças e desigualdades da selva. Era como se musicalmente ensinasse : não importam as dimensões das asas, mas, sim, a ânsia de voar e que todos têm o direito divino de sorver das belezas da caatinga e do pomar; das lições da fome e da barriga cheia.
Era assim aquele pássaro. Os meninos logo aprenderam chamá-lo de Passarim .Nunca cobrou cachê quando seu canto embalava o mundo.Talvez , na sua profunda simplicidade, sentisse que o canto, em verdade, não lhe pertencia. A ave fazia-se, apenas, mero instrumento: quem dedilhava aquelas cordas e arrancava a música etérea eram as mãos de Deus.Possivelmente por isso mesmo, aos poucos, foi percebendo que sua música refletia-se nas serras, nas árvores, nos barrancos e escorria entre as águas dos rios e o fragor das cascatas : era já como se toda natureza cantasse!E já não se fazia necessários novos gorjeios, o mundo todo embebia-se de sua música que, como um eco, percorria campos e cidades.
Percebeu-se então, no enebriamento musical , que o mundo todo era sim uma grande gaiola e que o trinado do pássaro teve a força de destruir uma por uma as tariscas da imensa prisão. Já se podia ver a redoma do firmamento sem os limites das talas. O pássaro deu-se por satisfeito e voou em procura do infinito: morada de todos os pássaros e descanso de todos os poetas.O mundo nunca mais foi o mesmo depois que abriu os ouvidos e o coração para que por eles entrassem o doce , forte e libertador canto do PATATIVA.
J. Flávio Vieira
Zé Flávio sustenta este passarim até explodir na palavra PATATIVA. Do Assaré, de mim, de todos. Bingo! Um texto especial quando muito já se disse.
ResponderExcluirGrande Dedé,
ResponderExcluirObrigado pela paciência de ler o texto sobre o Patativa. Ele faz uma falta danada, ficamos imaginando como esporaria os tempos atuais se ainda estivesse por aqui. Difiícl ver unidos numa mesma pessoaa tanta arte, sensibilidade social e ética . Ele foi único!
Abraço,
Fala de sua saudade
ResponderExcluirDe coisas tradicionais
Que gravadas de verdade
Em versos sensacionais
O ingem-de-pau exaltado
Pelo de ferro trocado
E as moagens de cana
Quando havia aviamento
O melhor divertimento
Lá na Serra de Santana
Bastinha.