quarta-feira, 11 de março de 2009

PEIXADA CAPIXABA

Velhos amigos. Um termo apenas: na verdade ainda jovens com longa convivência em Vitória do Espírito Santo. Um foi transferido para o IBAMA de Recife, outra para Salvador, um terceiro ficou em Vitória. A explicação da relativa juventude vem ao caso, pois se trata daquela fase em que as pessoas têm um apetite compatível com uma eficiente digestão. Pois bem, após alguns anos se reencontram em Vitória.

Alegrias, reminiscências, novidades e o papo corre para finalizar num almoço na casa do morador de Vitória. Um excelente cozinheiro. Para uma peixada capixaba, com a qual os baianos devem desculpar-me devido ao peso do dendê, é muito superior a qualquer peixada, inclusive a leitosa de coco cearense. A fome do encontro, a fome dos aperitivos introdutórios, do cheiro ebulindo-se no panelão. A mesa posta tem um poder simbólico fenomenal. Abre-se em iminência alimentar e se houver a simultaneidade dos talhares tinindo na arrumação, a fome se quintuplica em relação a qualquer escala da fome em que já se encontrava.

Finalmente a voz da ordem universal. O dono da casa anuncia que a peixada, fervendo, com pirão, arroz branco, jarras de sucos, um pequeno tonel cheio de uma branquinha de Minas Gerais se encontram à disposição dos comensais. Eram três casais famintos. Assentam-se como no Olimpo, plenos da intemperança dos deuses gregos.

Acontece que Nimiê, a esposa, a dona da casa, era como se diz por aqui: remachona. Para o próprio azar e agonia posterior, a ordem de todos ao sabor fora dada e as bocas nervosas deram conta do recado. Um prato após o outro. Um pirão, mais caldo, uma bem posta posta de peixe. Conversas só no intervalo do prazer, uma bicada no copo e uma colherada cheia como as vontades famélicas.

E Nimiê nada. Lá por dentro de casa. Fazendo o quê? Nem se sabe. Para os que na mesa se encontravam era de sua própria natureza, não necessitavam explicações. E o dono da casa caiu numa encruzilhada entre o céu e o inferno. O prazer da satisfação dos amigos com suas delícias culinárias e as postas de peixe que minguavam cada vez mais e nada da Nimiê.
E agora, como estimular a vinda da mulher do remancho. Estimular sem fazer notar aos amigos que estava na hora de deixarem um pouco para a mulher. E assim começou:

- NIMIÊ! Ô NIMIÊ! VEM!

Mas os deuses sofrem a ingratidão de suas criações. Quem inventara o sabor, não tinha como parar a gula de “pica pau” dos amigos. Gritava novamente:

- NIMIÊ! Ô NIMIÊ! VEM LOGO!

Acrescentara um “logo” ao chamamento com a finalidade de alertar os amigos da situação de penúria que aconteceria se não parassem e para a mulher compreender a realidade do mundo fora da demora. O mundo é urgente mesmo e esta tal de terceira lei da termodinâmica é uma merda total, se tudo tem uma volta, menos o tempo a possui. E nesta altura dos fatos a urgência do dono era completa, só algumas porções de pirão, o resto do caldo com pedaços de tomate cozinhada e uns pedaços de rabos que muitos consideram incomestíveis.

- NIMIÊ! Ô NIMIÊ! VEM LOGO SE NÃO ACABA!

Pronto dissera a frase fatal. Mas infelizmente, para Nimiê, era uma sentença a que só no final os amigos entenderam. Apenas com a frase entendida (eis um efeito da fome contrariando o ditado “para bom entendedor meia palavra basta”) é que os amigos, satisfeitos como uma pessoa rica, viram Nimiê entrando na sala para os sobejos da mesa.

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