Bárbara ou dona Bárbara, como era chamada no Crato, cidade na qual estabeleceu moradia na segunda metade do século XVIII, teria sido considerada uma mulher “respeitável” aos padrões do período se tivesse apenas cultivado tranqüilamente seu casamento com o capitão José Gonçalves dos Santos; cuidado de seu pai, Joaquim Pereira de Alencar, já com idade avançada; criado seus filhos e tocado adiante suas propriedades de terra.Mas não. Aquela pernambucana de nascimento e cearense de vivências optou por ser uma “inimiga do rei”, abrindo mão de uma vida de comodismos e individualidades. Culta, em contato com as idéias revolucionárias em ebulição nos seminários dos padres de Recife/Olinda, uniu-se a eles em prol da liberdade, deposição do Rei e proclamação da República.
Surge uma guerreira
Bárbara Pereira de Alencar nasceu na casa-grande da Caiçara, em Exu, Pernambuco, no dia 11 de fevereiro de 1760, filha de Joaquim Pereira de Alencar e Theodora Rodrigues da Conceição. Aos 22 anos, casada com o português e comerciante de tecidos, capitão José Gonçalves dos Santos, teve com ele seis filhos, três deles participantes de revolução: o padre-senador José Martiniano de Alencar (pai do escritor José de Alencar), Tristão Gonçalves Pereira de Alencar e o padre Carlos José dos Santos.Nessa época, a família morava em uma casa na Vila Real do Crato que mostrava o esmero de sua dona pela vida doméstica, sendo impossível passar pela residência despercebido: localizada na rua principal, quase vizinha à Matriz de Nossa Senhora da Penha, era uma habitação colonial, de beira-e-bica, feita por um mestre-pedreiro vindo de Recife, especialmente para construir esta que foi a primeira moradia em pedra e cal da região (atualmente o prédio não existe mais, tendo sido demolido, apesar de incorporado ao patrimônio do Estado).
Ao longo dos anos, Bárbara seguiu cuidando da administração fazendária, tanto na distribuição de serviços aos escravos quanto em questões agrícolas. Em 1797, aos 37 anos, interessada em letras e idéias inovadoras, conheceu o naturalista Manuel de Arruda Câmara, considerado o líder espiritual dos envolvidos na Revolução Pernambucana de 1817. É a ele que se atribui seus conhecimentos de botânica. Foi este mesmo senhor que, ainda em 1810, sete anos antes de o movimento eclodir, determinou a Bárbara a atribuição formal do título de heroína, vencedora que fosse a revolução - por já considerá-la letrada em política, dotada suficientemente de atributos cívicos e por pressentir sua posterior importância para a causa.
Em 1817, quando José Martiniano de Alencar chegou ao Crato, vindo de Recife, com a incumbência de “acender o patriotismo” no povo do Cariri, resolveu, antes de tudo, conclamar sua família a aderir à causa. Naquela época, dona Bárbara vivia tranqüilamente no Sítio Pau-Seco, propriedade que comprara dos padres da Missão do Miranda, na Vila Real do Crato. Acolheu o filho com um misto de dó no peito e orgulho por sua missão. Era, para eles, o sonho da República que estava por se concretizar.
Independência
No domingo, 3 de maio, José Martiniano, aproveitando a multidão que se encontrava na igreja matriz do Crato, por ocasião da festa de Santa Cruz, subiu ao altar de batina e roquete e proclamou a Independência e a República do Brasil. Enquanto o momento histórico se processava, Bárbara permaneceu no sítio arrumando a casa. Zelosa e prestativa como toda mãe, preparou farto banquete para comemorar com os revolucionários. Afinal, além de Martiniano, também possuía outros dois filhos envolvidos na rebelião.Naquele período, a monarquia era revestida por uma aura divina. Tocar nesta forma de governo foi vista, por muitos, como tocar em Deus. Os combatentes, assim, atraíram inimigos e, posteriormente, traidores. Os contra-revolucionários se uniram e venceram pela organização e número considerável de aliados.
A República do Ceará durou apenas de 3 a 11 de maio. Em Pernambuco, se estendeu por 75 dias (6 de março a 20 de maio). Com o desfecho, os chefes do motim foram apanhados, entre eles os três filhos de Bárbara. Já a heroína conseguiu fugir, mas logo foi encontrada no sítio Lambedor, que pertencera ao seu bisavô, Antônio de Sousa Goulart, localizado às margens do rio Salamanca, em Barbalha. Acabou presa e transferida para Fortaleza.
* A autora é formada em Comunicação Social (UFC) e mestranda em História Social (PUC-SP)
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