sábado, 16 de maio de 2009

"O significado das coisas: no supermercado".

Direto do Blog Macaco Alfa: 



"Sábado, 10:00 da manhã, estou parado no supermercado, à minha frente encontra-se a seção de banho com uma infinidades de sabonetes, shampoos, condicionadores, cremes... Tudo muito bem colorido, envolto por um clima condicionado (está 22 graus) e música ambiente tranquila... Minha náusea sartreana chega ao máximo!

Como escolher o sabonete certo? Minha ancestralidade fala alto e eu não consigo ser racional. Vem à mente todo marketing publicitário... eu olho para as marcas mais conhecidas. Lembro delas em revistas, na TV e até em outdoors... Tanto dinheiro e energias gastas para deixar claro para mim como é importante comprar o melhor sabonete!

Eu sei... é tudo uma mistura de sal de ácido graxo, com glicerina e perfume. Alguns têm até antibióticos para acelerar a seleção natural de bactérias... torná-las resistentes, embora a propaganda e o nome de fantasia falem que irão me proteger... ao ensaboar meu corpo!!!

Eu preciso decidir... pior, meu pânico aumenta, porque esse momento de decisão irá se repetir para as marcas de macarrão, feijão, café...

Ok, é uma besteira, pois é só deixar minha necessidade real se manifestar que tudo será resolvido. Afinal, um bom macarrão será daqui há pouco uma deliciosa macarronada!!! Meu banho também será agradável com um sabonete na emulsificação do sebo natural de minha pele, limpeza da sujeira do dia a dia e o perfume suave que ficará no final.

Todavia, as coisas que passo horas para escolher e comprar não se restringem às minhas necessidades de sobrevivência. Por exemplo, tenho que promover entretenimento para minha mente... caso contrário, transformarei meus dias, sobretudo as horas vazias neles... em momentos brancos e angustiantes.

Segue na lista de coisas, filmes, TV, CDs, downloads, livros, HQs... tudo para ocupar o nada de minhas horas brancas.

Lembro que há mobília, automóvel, eletrodomésticos, equipamentos eletrônicos e uma parafernália de instrumentos de meu trabalho no laboratório e campo. Mais tempo, mais preocupações... com mais coisas.

Olho para meu lado e vejo uma multidão de outras pessoas presas às coisas de significados tão simples, mas usadas em minúncias para definir, qualificar e dar sentido às suas vidas. Pessoas que são definidas pelas coisas que consomem, ou mesmo apenas pelos desejos de tê-las.

Pesquisas demonstraram que felicidade é um estado arbitrário de satisfações momentâneas. Assim que você alcança um objetivo na vida, haverá alegria... mas isso se torna logo um tipo de rotina e você se verá enfrentando novos obstáculos em busca de um novo momento de felicidade. É por isso que no decorrer de nossas vidas estamos com frequência falando que não estamos realizados, nossa meta ainda não foi alcançada, o cume da montanha estará sempre em alturas mais elevadas com novos desafios auto-impostos.

A esclerose múltipla de minha irmã, a hipertensão de minha mãe e a diabetes de meu pai. Em um mundo com vidas frágeis assim, como posso dar tanta importância para um emulsificador de gorduras perfumado?

Decidi e então pego o sabonete de embalagem mais colorida com maior valor. Fecho ele em minha mão e penso: "será que o preço reflete a qualidade?" Em instrumentos musicais eu sei que quanto mais cara for a guitarra, melhor será. Mas isso não possui um limite? Não há exageros demais? 


Um exemplo corre pela minha mente, o carro esportivo contemporâneo mais caro do mundo custa US$ 1,2 milhão, um Bugatti. Todavia, mesmo se eu tivesse como comprar e manter um carro assim... não daria para dirigi-lo! Há tantos buracos nas ruas e estradas desse Brasil profundo, que o mais adequado para minha realidade seria ter um automóvel com tração 4x4, ou melhor ainda, um carro popular!

Um Bugatti na verdade representa um símbolo de poder e status. Muito mais que locomoção, conforto e velocidade. Pode-se ter tudo isso com muito menos do que US$ 1,2 milhão. É um símbolo, uma coisa para identificar uma pessoa e seu "estilo de vida"... não é uma máquina para transportá-lo com conforto, economia e níveis baixos de poluição. É um carro que não é um simples automóvel... É uma coisa digna de um Dr. Moreau da indústria automobilística!!!

Vou escolher três temas para expor essa náusea sobre as coisas. No primeiro, abordarei coisas de necessidade básica como remédios e comida. No segundo, os símbolos de 
status máximos como jóias, mansões e máquinas de transporte. Por fim, no terceiro, um texto sobre as horas vazias, cheias de entretenimento superficiais. Essas mesmas horas vazias que somadas formam nossos longos dias brancos.

Melhor do que qualquer palavra que escrevi nessa apresentação é o trecho a seguir do filme “Clube da Luta” (Fight Club - 1999):

Esse é o significado das coisas." 

Por Waltécio Almeida, no Blog Macaco Alfa. 

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