terça-feira, 12 de maio de 2009



Orquestra Imperial
Nem tudo o que balança é swing


O mercado fonográfico brasileiro é muito peculiar, às vezes brinca amadoristicamente de ser profissional e outras profissionalmente leva a sério ser amador. Esse é o caso da numerosa banda Cult Orquestra Imperial, que tem um magote de músicos da cena carioca, que nasceu com o intuito de “resgatar” a verdadeira essência cultural da gafieira e adjacências, mas que não passa de uma banda extrapolada demograficamente, que resolveu compor o seu próprio material, saindo do barzinho sem o barzinho sair dela.


Ao vivo e tocando o repertório dos outros essa banda é perfeita e com pouquíssimas cenas de canastrice musical. Em estúdio e tocando o próprio repertório a banda parece encenar um decadente teatro de revista, sem pique e sem a menor criatividade e isso é o que mais surpreende do que espanta, tendo como referência os inúmeros talentos envolvidos no projeto, que de início parecia despretensioso e que gora resolve entrar para o campo autoral. O disco “Carnaval só no ano que vem”, é bem gravado, bem executado, mas é morno, extremamente morno. Sendo que em alguns momentos o disco se torna radicalmente careta.


A escolha da faixa de abertura, “O mar e o ar”, não poderia ter sido pior, com o desafinado Rodrigo Amarante cantando um samba canção sem a menor convicção de que um cantor não vive sem ser um ator musical. O xilofone e a guitarra havaiana ainda tentam dar um ar mágico às coisas do mar, sem que as ondas sirvam para surfar. A faixa dois, “Não foi em vão”, é um samba com um dos arranjos mais quadrados de metais da música popular brasileira, tão careta que chega a dar saudade de Lincon Olivetti. A faixa seguinte, “Ereção”, celebra o ambiente sensual dos bailes de gafieira e trata da ereção, tão comum nas danças coladas. A mídia amiga afirma que esse é o lado bem humorado da banda, mas que na realidade é a baba do babaca.


A faixa “Jardim de Alah” é um lenga lenga sem fim, é o jeito Rodrigo Amarante de cantar fazendo escola. A caretice dos metais prossegue em rota épica, ganhando os mares e os bares, com ar de fim de festa. A faixa seguinte, “Rui de mes souvenirs”, é uma espécie de bolero-bossa-samba cantado em francês, pense numa porcaria que não deveria ter entrado no repertório nem como faixa bônus. A saga dos metais argonautas continua, com notas alongadas e naufrágios aprofundados. A Orquestra tem inúmeros cantores e colocam logo Rodrigo Amarante para cantar uma rumba, que acabou transformando a música, “Yarusha Djaruba”, em um sonrisal dissolvido em uma cuba-libre, com rum do Paraguai.


A faixa seguinte, “Era bom”, é um sambão quadrado, pé-duro, guarda roupa de quitinete, com direito a todos os laraialás possíveis e imagináveis, bem como uma letra que mistura metalinguagem sobre as próprias raízes sambistas e sexo de quinta categoria. Os metais continuam reféns de arranjos dignos de Roberto Carlos se apresentado em um cassino do Panamá. A outra faixa, “Salamaleque”, é outro sambão quadrado, pé-duro, guarda roupa de quitinete, com direito à rima esperta de pileque com salamaleque, essa é dose de fubuia de renovação. Mas em se falando em letra tenebrosa, nada supera a poética ginasial de “Ela rebola”: “Ela rebola pra lá / ela rebola pra cá / mas pra mim bola ela não dá / ela rebola pra cá / ela rebola pra lá / mas bola pra mim eu sei que ela lalalah...” Essa babaquice monumental é de autoria de Jorge Mautner, que participa da última faixa do disco.


O disco se encaminha para o final com, “De um amor em paz”, outra música que deveria ter ficado de fora do repertório, outro lenga lenga sobre o amor, com os metais enchendo o saco com um arranjo de sinfonia para velório. Nina Becker não cante essa música mais nunca, pelo amor aos seus fãs. Só na última faixa, “Supermercado do amor”, é que a verdadeira Orquestra Imperial dá as caras, mas aí já é tarde e o baile está acabando e só resta pegar duas conduções de volta para casa, arrependido.


Provável formação:


THALMA DE FREITAS (voz) - NINA BECKER (voz) - MORENO VELOSO (percussão e voz) - RODRIGO AMARANTE (voz) - WILSON DAS NEVES (voz e percussões) - NELSON JACOBINA (guitarra e violão) - BARTOLO (guitarra) - PEDRO SÁ (guitarra) - RUBINHO JACOBINA (teclado) - BERNA CEPPAS (sintetizadores e percussão) & KASSIN (baixo) -.DOMENICO LACELOTTI (bateria) - STEPHANE SAN JUAN (percussão) - BODÃO (percussão) -.LEO MONTEIRO (percussão eletrônica) - FELIPE PINAUD (flauta) - MAX SETTE (trompete e flugelhorn) - BIDU CORDEIRO (trombone) - MAURO ZACHARIAS (trombonista)

5 comentários:

  1. Leonel, gosto muito do seu estilo de crítica. Esse formato que você vem adotando em comentar faixa à faixa é legal, pois não coloca o estilo genérico como adotado por outros.
    Sem pena e sem dó, lá vai chumbo grosso quando o som é ralo.
    Com instigação e vibração, disseca o som quando denso.
    Gosto dissso, tem até me ajudado em observar um pouco mais com minúcia os discos que você comenta.
    Até agora, estou conseguindo associar o verbo ao áudio.
    O som da Orquestra Imperial já tive oportunidade de ver e ouvir ao vivo. O som é maneiro, pois acredito que também estrava beeeem maneiro.Mesmo assim não consegui asistir o show inteiro,fui engasopar outra.

    Abraço.

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  2. Marcos,

    Este blog já foi acusado de ser uma confraria de confetes e sedas rasgadas, de amigos para amigos. Mas, para o bem geral da nação, sempre existem os penetras de plantão, jogando água no chopp dos confrades e desafinando o coro dos contentes. Você é um deles. Gosto do seu estilo rasga-lata, quando analisa as produções musicais, apesar de também achar que o que é ruim também é desprezível. Quando se gasta tempo e elucubrações para entrelaçar um chicote bem urdido, visando açoitar o que se considera kitch, de certa forma se importantiza por demais o açoitado. Em regra, o carrasco não enfeita a guilhotinha com floreios para cortar a cabeça do condenado. É só vapt-e-vupt. Mas, concordo que o "espetáculo" de uma decapitação pode ser menos cruel se antes houver o conforto da absolvição espiritual do réu.
    Você faz isso quando diz:

    "O mercado fonográfico brasileiro é muito peculiar, às vezes brinca amadoristicamente de ser profissional e outras profissionalmente leva a sério ser amador. Esse é o caso da numerosa banda Cult Orquestra Imperial, que tem um magote de músicos da cena carioca, que nasceu com o intuito de “resgatar” a verdadeira essência cultural da gafieira e adjacências, mas que não passa de uma banda extrapolada demograficamente, que resolveu compor o seu próprio material, saindo do barzinho sem o barzinho sair dela."

    No meu entender, você releva o erro cometido pelo magote de músicos, dentre eles, artistas de reconhecido talento como Wilson das Neves, Nelson Jacobina e Pedro Sá.

    No entanto, nem sempre uma aglutinação de bons músicos rendem bons trabalhos. Lembro que no final da década de 1980, foi formada uma banda, cujo nome era Hours of Rush, integrada só por feras como Stanley Clark e Andy Summers. Foi malhada pela crítica. Mas, ás vezes, diria até, quase sempre, uma constelação de astros sempre brilha nos palcos. É o caso de uma banda que foi formada para uma única apresentação no Festival de Montreux, em 1997, intitulada de Legends Live At Montreux, integrada, não mais nem menos, por Eric Clapton (guitarra), Steve Gadd (bateria), Dave Cruisin (teclados), Marcos Miller (baixo) e David Sanborn (sax). Tenho esse vídeo. É pau pra dar em doido.

    Grande abraço, POETA.

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  3. Valeu Calazans,
    sei da sua sinceridade e por isso respeito muito sua opinião.

    Muito desse método de faixa à faixa tem sido proporcionado pelo preço do cd original,que é proibitivo para um fanático como eu e que só compra o original. Por isso eu só tenho comprado o que realmente vou escutar constantemente, daí essa triagem.

    Eu havia decidido só comentar no blog peduvido o que realmente eu gostasse, e também para amenizar a fama de destruidor de lares, mas então a crise tem sido traiçoeira.

    Pois é, cara, tem música do repertório deles de show, que parece que tá todo mundo lombrado demais, é uma maresia detonada, que é o que acontece com o repertório do disco, pelo menos na minha opinião.

    abraços

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  4. Valeu Rafael,
    também sei da sua sinceridade, e da mesma forma que disse a Calazans, também respeito muito a sua opinião.

    Realmente, nem sempre um grupo de super músicos dá música de qualidade, mas essa formação de Montreux é realmente demais, eu tenho o cd, é um dos meus preferidos de Eric Clapton, pois você percebe como ele se adapta facilmente, com suas pentas-blues, ao fraseado jazzístico dos outros componentes da banda, mostrando que muitas vezes menos é mais.

    abraços

    obs: tentei comentar no vagalume e não deu certo, tem algum problema com o blog?

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  5. Caro Marcos,

    A priori, acho que não tá havendo nenhum problema. Mas vou dar uma checada.

    Valeu!

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