sábado, 20 de junho de 2009

Os últimos dias de paupéria

Os últimos dias de paupéria é o título de uma coletânea póstuma de poemas e textos jornalísticos do poeta tropicalista Torquato Neto, natural de Teresina, Piauí, mas baiano por vocação e estética.

Por sinal, quando fui a primeira vez a Teresina, em 1991, bebi cerveja em um bar na Rua Torquato Neto, centro daquela calorosa e calórica cidade. A partir de então, mantenho com Teresina uma afetuosa relação, pois minhas duas filhas, Sara Ravena e Talita Régia, são teresinenses. É certo que elas só fizeram nascer em Teresina, mas que têm passado lá suas últimas férias, visto ser a cidade onde residem o avô e alguns dos seus tios maternos.

Por volta de 1985 descobri definitivamente a obra de Torquato Neto. Antes, só conhecia aquela letra musicada por Gilberto Gil e que consta do antológico disco Tropicália ou Panis Et Circensis (é assim mesmo, com a grafia errada. O correto é Panem Et Circenses). A música é Geléia Geral, cuja primeira estrofe é:

Um poeta desfolha a bandeira
E a manhã tropical se inicia
Resplandente, cadente, fagueira
Num calor girassol com alegria
Na geléia geral brasileira
Que o Jornal do Brasil anuncia

Pois bem, conheci definitivamente a obra de Torquato Neto quando Salatiel emprestou-me a primeira edição de Os últimos dias de paupéria, que vinha acompanhada de um compacto com uma música inédita, outra parceria dele com Gilberto Gil, intitulada Dia D:

Desde que sai de casa
Trouxe a viagem da volta
Gravada na minha mão
Enterrada no umbigo
Dentro e fora assim comigo
Minha própria condução

Todo dia é dia dela
Pode ser, pode não ser
Abro a porta e a janela
Todo dia é dia D

Há urubus no telhado
E a carne seca é servida
Escorpião encravado
Na minha própria ferida
Não escapo, só escapa
Pela porta da saída

Se Geléia Geral pode ser considerada o hino do Tropicalismo, Dia D é um réquiem composto pelo próprio poeta, um prenúncio de sua morte.

Há cerca de dois anos, meu irmão Orlando deu-me de presente o livro Pra mim chega, biografia de Torquato Neto escrita pelo jornalista Toninho Vaz. O título não poderia ser o mais adequado para o desfecho trágico da meteórica e genial existência de um poeta de mente brilhante, pena inspirada e alma atormentada.

4 comentários:

  1. Caro amigo mutante rafa,estou degustando o tal livro
    Você me emprestou ou me deu não lembro muito bem,pois era uma tarde de sábado etílico chope,minha bebida preferida:cachaça misturada em um mesmo copo
    Com cerveja, muito bom à história de Torquato e em breve estarei em busca do mesmo bar em Teresina
    Para compor em parceria com T.neto...
    Saudações marginais e malditas....

    ResponderExcluir
  2. Carlos: sou fronteira da geração do Torquato. Alguns piauienses são da mesma época e o Torquato se destacava, naquele tempo, por tais razões: ser do vizinho Piauí e amigo dos amigos. Anos depois, estamos numa roda de cantoria, a Tereza é pianista clássica, mas depois de me conhecer e se tornar médica só lhe restou alguns saraus de sala com música popular. Então estávamos tocando e cantando o Prá Dizer Adeus de Torquato e Edu Lobo, quando entendemos com se fosse um verdadeiro bilhete de suicida (mas aí é fácil de fato ele já tinha ocorrido):

    Adeus,
    Vou pra não voltar
    E onde quer que eu vá
    Sei que vou sozinho
    Tão sozinho, amor
    Nem é bom pensar
    Que eu não volto mais
    Desse meu caminho
    Ah! Pena eu não saber
    Como te contar
    Que o amor foi tanto
    E no entanto eu queria dizer
    Vem,
    Eu só sei dizer
    Vem,
    Nem que seja só
    Prá dizer ADEUS

    ResponderExcluir
  3. Wilson,

    Você tava bêbado, mas eu, não!
    O livro foi só emprestado. Mas não tenha pressa, pode ler com calma, curtindo essa história ímpar, de ida e vinda, e muita poesia.

    Saudações torquatianas!

    ResponderExcluir
  4. José do Vale,

    Esse é outro poema de morte anunciada, mas tão sutil que só deu pra perceber tarde demais.

    Parece uma simples despedida da mulher amada, mas era da vida, tanto amada como odiada...

    ResponderExcluir