quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Labuta

Tente escrever seu poema.
Não se desanime.

Aliás desanime-se.

O poeta não é dono das palavras.
Delas lacaio.

Escreva torto, ávido, manso.
Com os dedos das mãos
ou com o esmalte das nuvens.

Mas escreva.

Ora se atinge o pássaro em pleno voo,
ora sequer acertamos na mosca morta.

Escreva.
O poema lama, o poema sal, o poema sede.


Não se apiede das sombras.

Depois se quiser rasgue.
Triture.
Coma.

O poema escrito é seu.
Quem lê é senhor de outro.

Portanto,
não se enraiveça.

Ou melhor,
enraiveça-se.

Mas escreva.
Escreva.

O poeta é apenas
dono do silêncio -

que tem outro nome,
que mora noutro espaço.

5 comentários:

  1. Gostei muito, Barroso, interessante esta passagem "o poema escrito é seu, quem lê é senhor de outro", disse com pouco o que realmente ocorre na fusão do autor com o leitor, um outro texto, uma obra mista. E isso tem um valor inestimável para quem cria.
    Ou melhor, será que esta opinião coincide com o que você quis dizer ou já é fruto da leitura dessa leitora?

    Parabéns, puro estímulo aos desestimulados.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Marta F.,
    massa tua capacidade
    de envolver-se e retirar
    do vácuo o último preenchimento.

    Claro que pode haver
    entre quem escreve e quem lê
    um elo poético (orgânico e etéreo)

    mas penso não haver
    nem por um nem por outro
    onisciência sobre o poema.

    Afinal, penso eu, amanhã também serei leitor - um lânguido e cansado leitor.

    Um carinhoso abraço.

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  4. Poesia que voa como flecha em busca
    do alvo sinuoso
    Não adianta o esconderijo nem que seja os buracos cavados nas montanhas afegãs
    Ela é um patriot teleguiado que não atinge somente o inimigo do momento
    Mas, principalmentente, o seu impertinente e sempre satírico algoz

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  5. Puro convite ao silêncio aos que falam em demasia.

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