"Acho que o cinema europeu se diferencia do americano no sentido de que os americanos têm o cinema no sangue, enquanto os europeus o têm na cabeça - o que é uma diferença: seriam necessárias as duas coisas. Foi o cinema americano que nos fez conhecer o cinema, que nos fez amar... Pessoalmente, conheci e apreciei Otto Preminger, Howard Hawks, enfim, quase todos os americanos, antes de conhecer os europeus. Foram eles que me fizeram compreender o que é o cinema”.
“Tenho grande respeito por determinadas obras de Vincente Minnelli e, menos, por outras. Mais pelas fitas puramente "musicais" e creio que a comédia musical (quando comecei "Uma mulher é uma mulher"/"Une femme est une femme", queria fazer uma comédia musical no sentido clássico do termo, com as cenas dialogadas interrompidas, de repente, pelas cenas de canções - por exemplo quando Ana e Belmondo reencontram-se na rua, após a cena do cabaré, pensei em realizar uma cena puramente musical, onde as pessoas cantariam na rua, como em "Um dia em Nova York" ("On the town", mas depois percebi que isso seria uma referência excessiva) é algo que os americanos descobriram, que levaram a um grau de perfeição e, apesar de gostar muito delas, é inútil refazê-las e, em paralelo, não tinha ideias suficientes novas sobre a comédia musical. Meu filme é sobre a nostalgia da comédia musical, ou melhor, o que diz Ana - "ah! eu queria estar numa comédia musical - era mais neste tom. Pensei então, depois fiz o diálogo e, após, com Legrand, fez uma música que dava a impressão de as pessoas cantarem muitas vezes. Quero dizer que ela está situada no mesmo tempo e sob as palavras, a fim de conferir um tom de ópera. Mas não se trata de comédia musical e, também, não é o mero filme falado. Trata-se de um lamento contra o fato de a vida não ser musicada."
Entrevista - Cinema 63, número 94, em 3/65
"Havia o teatro (Griffith), a poesia (Murau), a pintura (Rossellini), a dança (Eisenstein) e a música (Renoir). Mas, doravante, há o cinema. E o cinema é Nicholas Ray.”
Essa classificação pode parecer arbitrária e, sobretudo, paradoxal. Não é nada disso. Griffith era inimigo declarado do teatro, mas do teatro de sua época. A estética de O nascimento de uma nação ("The birth of a nation") ou de "The exciting night" ("Uma noite de terror") é idêntica àquela de "Ricardo III" ou de "As you like it". Se Griffith inventou o cinema, ele o fez com as mesmas idéias com que Shakespeare inventou o teatro. Ele inventou o "suspense" com as mesmas idéias com que Corneille inventou a !suspension".
De modo igual, dizer que Renoir está próximo da música e, Rossellini, da pintura, quando é sabido que o primeiro adora quadros e, o segundo, os detesta, corresponde a dizer simplesmente que o autor de "The river" ("O rio sagrado") liga-se a Mozart, e o de "Europa 51" a Velasquez. Simplificando a grosso modo, um procura pintar os estados da alma, o outro, os tipos humanos."
"Au-delas des étoiles" - crítica de “Bitter victory”, de Nicholas Ray - Cahiers número 79, em 1/58 - trecho.
"Talvez não existam mais do que três espécies de western, do mesmo modo que Balzac, um dia, assinalou que existiam três modalidades de romance: de imagem, de idéias ou de imagens e ideias, ou seja, Walter Scott, Sthendal e, enfim, ele, Balzac. No tocante ao western, o primeiro gênero se corresponde a "Rastros de ódio" ("The seachers"), de John Ford; o segundo, a "O diabo feito mulher" ("Rancho Notorius"), de Fritz Lang,; e, enfim, o terceiro, a O homem do Oeste" ("The man of the west"), de Anthony Mann. Não quero dizer com isso que o filme de John Ford é apenas uma sequência de belas imagens; nem que o de Fritz Lang está totalmente desprovido de qualquer beleza plástica ou decorativa; quero dizer, sim, que, em John Ford, é, antes, a imagem que remete à idéia, enquanto que, em Fritz Lang, ocorre principalmente o contrário e, enfim, que, em Anthony Mann, passa-se da ideia à imagem a fim de - como desejava Eisenstein -retornar-se à imagem.
"Super Mann" - crítica de "Man of the west", de Anthony Mann - Cahiers número 92, em 2/59.
"Ele está acima de qualquer elogio porque é o maior de todos. Pois, que mais dizer? De qualquer forma, é o único cineasta que pode suportar, sem mal-entendido, o qualificativo, tão deturpado, de humano. Da invenção do plano-sequência, em "Campeão de boxe" ("The champion"), àquela do cinema-verdade, no discurso final de "O grande ditador" ("The great dictador", Charles Spencer Chaplin, permanecendo inteiramente à margem de todo o cinema, preencheu finalmente essa margem com mais coisas (que outras palavras empregar: ideias, gags, inteligência, honra, beleza, gestos) do que todos os outros cineastas juntos. Diz-se, hoje, Chaplin, como se diz Da Vinci, ou, antes, Carlitos, como Leonardo."
Verbete sobre Chaplin em "Directed By" (dicionário de cineastas norte-americanos).
“Todos nós nos considerávamos, no Cahiers du Cinema, como futuros cineastas. Freqüentar os cine-clubes e a Cinemateca, já era pensar cinematograficamente e pensar no cinema. Escrever já era fazer cinema, pois, entre escrever e filmar, há uma diferença quantitativa e, não, qualitativa. O único crítico que o foi completamente era André Bazin. Os outros – Sadoul, Balázs ou Pasinetti são historiadores ou sociólogos, mas não críticos.
(...) “Acossado” (“A bout de souffle”) era o gênero de filme onde tudo era permitido, pois estava em sua natureza. Qualquer coisa que fizessem as pessoas poderia ser integrada na fita. Eu próprio parti disso. Dizia a mim mesmo: já houve Bresson e acaba de haver “Hiroshima, mon amour”, um determinado cinema encerra-se, pode estar acabando, façamos, então, o ponto final, mostremos que tudo é permitido. O que eu queria era partir de uma história convencional e refazer, mas de modo inteiramente diverso, todo o cinema já feito. Queria também dar a impressão de que se acabava de se descobrir o cinema e experimentar o processo do cinema pela primeira vez.”
Depoimento. Cahiers número 138, em 12;62
“Indubitavelmente, ainda não se sabe “ouvir” e “ver” um filme. E, nisso, reside a nossa tarefa principal de hoje. Por exemplo, as pessoas de formação política, raramente possuem a formação cinematográfica, e vice-versa. É, geralmente, uma ou outra. De minha parte, é ao cinema que devo a minha formação política.”
Entrevista a Cahiers número 194, em 10/67.
“Tenho grande respeito por determinadas obras de Vincente Minnelli e, menos, por outras. Mais pelas fitas puramente "musicais" e creio que a comédia musical (quando comecei "Uma mulher é uma mulher"/"Une femme est une femme", queria fazer uma comédia musical no sentido clássico do termo, com as cenas dialogadas interrompidas, de repente, pelas cenas de canções - por exemplo quando Ana e Belmondo reencontram-se na rua, após a cena do cabaré, pensei em realizar uma cena puramente musical, onde as pessoas cantariam na rua, como em "Um dia em Nova York" ("On the town", mas depois percebi que isso seria uma referência excessiva) é algo que os americanos descobriram, que levaram a um grau de perfeição e, apesar de gostar muito delas, é inútil refazê-las e, em paralelo, não tinha ideias suficientes novas sobre a comédia musical. Meu filme é sobre a nostalgia da comédia musical, ou melhor, o que diz Ana - "ah! eu queria estar numa comédia musical - era mais neste tom. Pensei então, depois fiz o diálogo e, após, com Legrand, fez uma música que dava a impressão de as pessoas cantarem muitas vezes. Quero dizer que ela está situada no mesmo tempo e sob as palavras, a fim de conferir um tom de ópera. Mas não se trata de comédia musical e, também, não é o mero filme falado. Trata-se de um lamento contra o fato de a vida não ser musicada."
Entrevista - Cinema 63, número 94, em 3/65
"Havia o teatro (Griffith), a poesia (Murau), a pintura (Rossellini), a dança (Eisenstein) e a música (Renoir). Mas, doravante, há o cinema. E o cinema é Nicholas Ray.”
Essa classificação pode parecer arbitrária e, sobretudo, paradoxal. Não é nada disso. Griffith era inimigo declarado do teatro, mas do teatro de sua época. A estética de O nascimento de uma nação ("The birth of a nation") ou de "The exciting night" ("Uma noite de terror") é idêntica àquela de "Ricardo III" ou de "As you like it". Se Griffith inventou o cinema, ele o fez com as mesmas idéias com que Shakespeare inventou o teatro. Ele inventou o "suspense" com as mesmas idéias com que Corneille inventou a !suspension".
De modo igual, dizer que Renoir está próximo da música e, Rossellini, da pintura, quando é sabido que o primeiro adora quadros e, o segundo, os detesta, corresponde a dizer simplesmente que o autor de "The river" ("O rio sagrado") liga-se a Mozart, e o de "Europa 51" a Velasquez. Simplificando a grosso modo, um procura pintar os estados da alma, o outro, os tipos humanos."
"Au-delas des étoiles" - crítica de “Bitter victory”, de Nicholas Ray - Cahiers número 79, em 1/58 - trecho.
"Talvez não existam mais do que três espécies de western, do mesmo modo que Balzac, um dia, assinalou que existiam três modalidades de romance: de imagem, de idéias ou de imagens e ideias, ou seja, Walter Scott, Sthendal e, enfim, ele, Balzac. No tocante ao western, o primeiro gênero se corresponde a "Rastros de ódio" ("The seachers"), de John Ford; o segundo, a "O diabo feito mulher" ("Rancho Notorius"), de Fritz Lang,; e, enfim, o terceiro, a O homem do Oeste" ("The man of the west"), de Anthony Mann. Não quero dizer com isso que o filme de John Ford é apenas uma sequência de belas imagens; nem que o de Fritz Lang está totalmente desprovido de qualquer beleza plástica ou decorativa; quero dizer, sim, que, em John Ford, é, antes, a imagem que remete à idéia, enquanto que, em Fritz Lang, ocorre principalmente o contrário e, enfim, que, em Anthony Mann, passa-se da ideia à imagem a fim de - como desejava Eisenstein -retornar-se à imagem.
"Super Mann" - crítica de "Man of the west", de Anthony Mann - Cahiers número 92, em 2/59.
"Ele está acima de qualquer elogio porque é o maior de todos. Pois, que mais dizer? De qualquer forma, é o único cineasta que pode suportar, sem mal-entendido, o qualificativo, tão deturpado, de humano. Da invenção do plano-sequência, em "Campeão de boxe" ("The champion"), àquela do cinema-verdade, no discurso final de "O grande ditador" ("The great dictador", Charles Spencer Chaplin, permanecendo inteiramente à margem de todo o cinema, preencheu finalmente essa margem com mais coisas (que outras palavras empregar: ideias, gags, inteligência, honra, beleza, gestos) do que todos os outros cineastas juntos. Diz-se, hoje, Chaplin, como se diz Da Vinci, ou, antes, Carlitos, como Leonardo."
Verbete sobre Chaplin em "Directed By" (dicionário de cineastas norte-americanos).
“Todos nós nos considerávamos, no Cahiers du Cinema, como futuros cineastas. Freqüentar os cine-clubes e a Cinemateca, já era pensar cinematograficamente e pensar no cinema. Escrever já era fazer cinema, pois, entre escrever e filmar, há uma diferença quantitativa e, não, qualitativa. O único crítico que o foi completamente era André Bazin. Os outros – Sadoul, Balázs ou Pasinetti são historiadores ou sociólogos, mas não críticos.
(...) “Acossado” (“A bout de souffle”) era o gênero de filme onde tudo era permitido, pois estava em sua natureza. Qualquer coisa que fizessem as pessoas poderia ser integrada na fita. Eu próprio parti disso. Dizia a mim mesmo: já houve Bresson e acaba de haver “Hiroshima, mon amour”, um determinado cinema encerra-se, pode estar acabando, façamos, então, o ponto final, mostremos que tudo é permitido. O que eu queria era partir de uma história convencional e refazer, mas de modo inteiramente diverso, todo o cinema já feito. Queria também dar a impressão de que se acabava de se descobrir o cinema e experimentar o processo do cinema pela primeira vez.”
Depoimento. Cahiers número 138, em 12;62
“Indubitavelmente, ainda não se sabe “ouvir” e “ver” um filme. E, nisso, reside a nossa tarefa principal de hoje. Por exemplo, as pessoas de formação política, raramente possuem a formação cinematográfica, e vice-versa. É, geralmente, uma ou outra. De minha parte, é ao cinema que devo a minha formação política.”
Entrevista a Cahiers número 194, em 10/67.
André O considero um professor e crítico de cinema muito especial e achei muito legal quando você concordou em colaborar com o Cariricult.
ResponderExcluirAndré,
ResponderExcluirSeus textos trarão nos farão respirar melhor.
Esta postagem é tipicamente aquela que não sabemos bem o quê dizer. Se contemplamos estas visões do cinema via Godard e o efeito do cinema americano sobre os francês quando pensava numa ruptura. Ou se comemoramos a presença do André Setaro no Cariricult. Façamos os dois: o André como prática de aproximação à cultura contemporânea e a diferenciação estética como caminho para a política. O cinema é o um fundamental para a compreensão do último século e para o futuro deste.
ResponderExcluirötimo texto, realmente interessante, mas acho q a musica que toca no site muito incoveniente, mesmo com qualidade, atrapalha muito quando se esta navegando na internet escutando sua própria musica.
ResponderExcluirabraços.