quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Offícios

No interior deste Brasilzão de meu Deus existem profissões as mais esdrúxulas. Interpretador de sonho e indicador de pule, por exemplo. Já imaginaram atividade mais complexa? O sujeito especializou-se, como Freud, em encontrar num bicho disperso como um sonho, sinais premonitórios do resultado jogo do bicho, do dia seguinte. Sonhou com uma briga em que caiam pelo chão muitas promissórias? O adivinhador grita de lá : jogue na borboleta ! Se brigaram os homens estavam “Brabos” e promissória a gente não chama de letra? Então? Brabo-letra ! E o marcador de cacimba, meu amigo? Nem o pessoal da Petrobrás, com sua equipe do pré-sal, se atrevem em determinar o local certo de cavar o poço. Pois bem, o matuto vem de lá com um cambito verdinho na mão, segura nas duas extremidades e anda para lá e para cá, de repente a extremidade solta começa a dar pulo. Pronto! É aqui, pode cavar que é batata, tem água bem pertinho! Agora vá você tentar fazer, sem a ciência , para vê se dá certo? É capaz de se chegar ao Japão sem a água minar. Outra atividade especializadíssima: feitor de chocalho. É coisa para ser exercida por luthier, meu amigo! Existe toda uma técnica de tamanho da saia do chocalho, de extensão do badalo. Se neguinho se meter a fazer, sem conhecimento, a boiada termina literalmente no brejo. E mais, cada chocalho , como um instrumento musical, tem uma tonalidade que faz com que o vaqueiro identifique o boi à distância, só pelo toque do badalo. Poderia falar de um sem número de outras atividades interioranas que inclusive hoje estão em franco processo de extinção: seleiro, funileiro, amolador de tesoura, soldador de panela, mestre de cachimbo, raizeiro, fabricante de pião, mestre de casa de farinha, cacheador de rapadura, doceiro de pirulito , quebra-queixo, passa-raiva e cavaco chinês, mestre de espingarda soca-soca, consertador de talabardão de cangalha.Todas estas profissões tiveram lá seu apogeu e vão sendo pouco a pouco engolidas no mastigar das horas do relojão da praça da matriz.
Cada um destes ofícios dá um tratado e inclusive sobrepassam o parco conhecimento de um escrevinhadorzinho de fim de semana. Vou me deter em dois meios de vida que me parecem muito interessantes, para um sábado que tem cara de rede na varanda e água de coco na quartinha. Curiosamente as duas histórias vêm de um dos lugares mais mágicos deste Cariri Encantado : São José de Lavras, docemente apelidado de São José de Mãe Velha. De suas águas beberam artistas gigantescos : Nonato Luiz, Bruno Pedrosa, Batista de Lima , Moreira Campos. Pois é, apresento a vocês João Luiz, sua profissão me pareceu estranhíssima : esgotador de peito de mulher parida . Que diabo de meio de vida é este? Sei que vocês estão perplexos como eu fiquei. Pois bem, o homem é contratado freqüentemente para uma atividade ímpar. Mulheres de resguardo, que por alguma causa não estão amamentando, ficam com as mamas cheias de leite, com dor, podendo causar inflamações locais e abscessos. O João é especialista em esvaziar estas mamas repletas, aliviando, assim, as mães do terrível incômodo. Ele mama no lugar do bebê. E faz isso profissionalmente, com todo respeito que se exige de um profissional de uma área tão melindrosa. Não seguisse à risca sua conduta , se quisesse se passar por um Abdelmassih , já estaria enterrado há muito tempo que São José não é São Paulo não, meus amigos.
Bem, a outra profissão é a de consolador de moribundo. Geralmente é feita por uma beata, que em visita à pessoa gravemente enferma, busca confortá-la, lembrando que irá para um lugar melhor, que encontrará o Criador e viverá brevemente entre os anjos. Uma espécie de pré-unção dos enfermos. Geralmente a idéia não é bem aceita, por mais carola que o paciente seja, a maioria das vezes prefere esse mundo aqui de sofrimento à paz celestial sempre plena de interrogações e mistérios.
Aqui em Crato, nos anos 60, uma consoladora foi levar conforto a um velhinho que estava nas últimas . Os últimos anos da vida dele tinham sido amargos por conta de uma chaga. A esposa o havia trocado por um comerciante chamado Deusimar. No meio das palavras de conforto, a beata introduziu uma frase perigosa:
--- Este mundo aqui é só uma passagem, o senhor agora vai para o céu, para a felicidade eterna. Lembre-se de Deus e Maria !
O velho, nos últimos suspiros, sussurrou :
--- O quê ? Deusimar foi minha desgraça, Deusimar foi minha desgraça...
Talvez por isso mesmo, seu Félix Cândido, uma das figuras mais irreverentes e gozadoras de São José de Lavras, quando estava às últimas, ouvindo o conforto da consoladora: “Tenha fé em Deus, o mundo é sofrimento, lá é muito melhor, seu Félix” , respondeu com aquela voz meio fanhosa conhecida de todos:
--- Muito bom seu conselhim, viu? Muito bom, mas quem vai morrer aqui é Felim, viu ? Felim !

J. Flávio Vieira

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