Por J. Flávio Vieira
Um dos problemas mais prementes de infra-estrutura em Matozinho sempre fora o abastecimento de água. O rio Paranaporã cortava a vila de uma ponta à outra, mas em terra tão árida, contava-se com suas águas barrentas apenas nos primeiros meses do ano. A partir de maio, restavam apenas alguns poços esparsos em seu leito e de lá fluía, a duras penas, um líquido meio ferruginoso e insalubre. Seguiam-se , a partir daí, pelo menos sete meses de secura e aflição. Acostumados à exigüidade do líquido precioso, os matozenses se viravam como podiam: cavavam cacimbas, construíam barreiros e tinham, ainda, o açude do sabugo. O açudeco , pequeno e cheio de bombas d´água, invariavelmente batia piaba aí pelo mês de setembro. A promessa de um abastecimento decente em Matozinho, assim, se tornara, de longa data, uma plataforma política estratégica. Toda campanha se repetia a ladainha interminável, de lado a lado. Governo e oposição se adiantavam e prometiam transformar a cidade num parque aquático, num Beach Park sertanejo. Passavam-se os anos do mandato e, como o pagamento da promessa dependia de verbas estaduais e federais, prefeitos com tão pouca mobilidade, não conseguiam cavar o dinheiro e ,conseqüentemente, nem as obras.
A coisa mudou com a posse de Agripino Caçote . Eterno candidato de oposição, ele por fim conseguiu eleger-se com a maciça ajuda de Serginaldo Canabrava , o governador do estado. Toda sua campanha se firmara na promessa de trazer água regular aos lares da vila. Sinderval Bandeira, mais uma vez, também garantira resolver o problema, no entanto, eterno vencedor nos pleitos municipais, reincidente na mesma promessa não cumprida, terminara por perder o crédito. O certo é que , após a posse, Caçote e Canabrava resolveram mostrar serviço. Em poucos meses, já existia todo um maquinário esquisito , nas encostas da Serra da Jurumenha, cavando como um tatu maluco. Agripino já cantava de galo :
-- Estamos cavando um poço profundo e , daqui a pouquinho, o problema de água em Matozinho vai estar definitivamente resolvido!
Os dias se foram passando e nada de a água jorrar. O povo na rua já fazia mangofa e a oposição soltava piadinhas pelos cantos da praça. Agripino, já meio agoniado, cutucou o engenheiro responsável pela prospecção e este afirmou que tivesse paciência , a água ali estava funda, mas quanto mais profunda, seria, com certeza, de melhor qualidade. Pelo sim, pelo não, Caçote mandou chamar o velho Pebinha que morava no Beco do Belisca Sedém e tinha uma profissão reconhecidíssima por ali : Marcador de Cacimba. O cientista chegou na obra e observou tudo com ares proféticos, como cachorro quando assunta preá. Depois , pacientemente, quebrou uma pequena forquilha de um marmeleiro e, agarrado nas duas hastes, se pôs de lá para cá fuçando todo o terreno em derredor à escavação. Passado algum tempo, chamou Agripino e seus assessores e fechou questão com ares professorais:
-- Seu prefeito, água aqui num tem não, se o senhor encontrar é já chegando no Japão e num vai prestar pra beber. Se o senhor quiser, eu marco o lugar certo e pode furar que eu garanto !
O engenheiro responsável deu brabo. Disse que tinha utilizado todos os instrumentos científicos da capital . Quem era aquele matuto com um cambitinho prá dar aulas a ele ? Fechou a cara e ameaçou abandonar tudo e avisar ao governador de quem era empregado. Agripino, na sinuca de bico, temendo perder as verbas do estado, optou pela ciência universitária e mandou continuar a perfuração. Os dias passaram-se . O poço artesiano já contava com mais de duzentos metros terra abaixo e nem um chorinho só de água. Todo o santo dia o povo acompanhava os trabalhos , na esperança de ver algum líquido minar. Já andavam meio desesperados. Um belo dia, por fim, a água jorrou pelo furo, quando já se aproximavam de trezentos metros de fundura. E jorrou com jato forte. Toda Matozinho, de repente, achegou-se ao poço. Agripino, mais que todos, estava radiante. Já antevia uma longa carreira política. Só com o passar do tempo, já todo molhado , percebeu que a água era muito barrenta, muito ferruginosa. O engenheiro, no entanto, baixinho, lhe garantiu que era só a primeira que saía que estava lavando o cano e carregava tudo quanto era de basculho de dentro do cano principal. Quando provaram a água, com curiosidade, no entanto, tomaram um susto: era salgada como de pia batismal. De enferrujar chifre de bode de tão salobra. O engenheiro também prometeu que ia melhorando com o passar das horas, tivessem paciência. Deu o serviço por terminado e voltou à capital.
Com os dias, porém, se notou que a água não ficou mais limpa, mais clara , nem mais doce. Ia , inclusive piorando, se tornava mais escura e mais gelatinosa e intragável.O povo arrochou o prefeito, pedindo uma explicação. Reunida a Câmara Municipal, convocou Caçote que lá compareceu sem mostrar sinais de preocupação. Toda Matozinho se acotovelava no auditório e do lado de fora. Na hora de informar à população o que acontecera, Agripino deu sinais claros de aprendera rápido os ínvios caminhos da política :
--- Povo de Matozinho, falei hoje mesmo com o engenheiro e ele explicou direitinho o que ocorreu. A sonda furou tão fundo que rasgou o bucho de um tal de pré-sal, por isso é que o líquido que sai é salobro ! E é preto, meus amigos, por que aquilo é petróleo. Nós tamos ricos ! Vamos fabricar querozene que dá prá encharcar tudo quanto é candeeiro do mundo ! Com o dinheiro que Matozinho vai ganhar não precisamos mais de poço, vamos tomar banho e cozinhar com água mineral Périer !
J. Flávio Vieira
Matosinho chegando na era da extração do petróleo do pré-sal. Bem urdida matéria, com as ligações entre engenheiro e o governador. Além das indefectíveis comparações que o Zé tem um talento extraordinário de inventar e de lembrar de tantos já inventados: como água tão salobra que enferruja chifre de bode.
ResponderExcluiro grande zé do vale de volta! Como estão as coisas? quando vem por aqui? Salatiel me falou tê-lo encontrado aí no Rio. Aqui tudo no mesmo, aquela vidinha de sempre. apareça!
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