terça-feira, 1 de setembro de 2009

Morder e assoprar

Por Maurício Tavares

Uma vez por mês publico uma coluna/crônica no Jornal da Facom (impresso com 5 mil exemplares). A que está abaixo é a que enviei para a edição de setembro. Embora trate de relação de professor/aluno e de coisas de Salvador tenho a pretensão que ela trate de questões mais universais. A coluna é publicada junto com a de André Setaro meu colega aqui da universidade. Como agora ele também está postando no Cariricult resolvi imitá-lo:

Morder e assoprar

Adoro a forma como os paulistas usam o verbo assoprar. A expressão do título fica mais charmosa pronunciada à paulista. Eu estou sempre mordendo e assoprando e também assoprando e mordendo. Não é assim com todo mundo? Penso que sim. Na minha relação com os alunos tenho vivido essa bipolaridade com uma certa constância (“onde queres Leblon sou Pernambuco, onde queres eunuco, garanhão). Os alunos são suscetíveis demais a uma tirada humorística . Eles levam tudo à sério. Que pena! Perdi meu trauma com esse negócio de morder desde criancinha. Meus irmãos, sacanas, me pediram pra falar pra um professora severa,amiga de minha mãe, chamada Maria dos Remédios (que nome mais purgante!) a célebre falsa questão: “Maria dos Remédios, não confio mais em você!’. A séria professora me pergunta com a vozinha com que se fala com crianças “Por que, Mauricinho?” e eu treinado respondo “Porque dei meu ... pra você chupar e você fez foi morder!”. Pelo rubor da professora e pelos risos escondidos dos meus irmãos percebi que tinha dito besteira. Desde esse tempo, então, aprendi que é dando que se é mordido. Por isso vou logo mordendo antes de dar e assoprar.

Na sala de aula pergunto a um aluno, que eu presumia ser gay, se ele conhece uma música, trilha sonora de um documentário, que fala de uma certa situação muito conhecida no mundo gay. Ele me olha como se eu tivesse feito a pergunta mais ofensiva da vida dele e responde “Professor (nessas horas é importante estabelecer o distanciamento e o pretenso respeito) eu não tenho conhecimento desse mundo!”.Acho engraçado. Porque mesmo sendo gay eu sei quem é a Mulher Melancia e a professora com a calcinha toda enfiada que provavelmente fazem parte do mundo hetero. Depois dessa “mordida” , involuntária, no aluno vou ter que assoprar muito. Alguns alunos me decepcionam mas outros tem atitudes que eu acho corajosas e indicadoras de uma boa auto-estima.Falando sobre moda na sala fiz referência a um mocassim cafona usado por uma aluno, ainda por cima com meia branca, e pra minha alegria vejo que ele continua usando o tal problemático calçado. Os bravos são forjados na adversidade .Quanto aos outros ainda vão existir muitos armários por aí para eles se esconderem com seus medos e fobias.

Maurício Tavares

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