quarta-feira, 7 de outubro de 2009

"Capitalism: A Love Story", de Michael Moore

Tenho a honra de publicar aqui, diretamente de Chicago, um artigo escrito pelo Professor Jorge Vital de Brito Moreira, que viu e gostou muito de Capitalism: A Love Story, o novo filme de Michael Moore ainda inédito no Brasil. Baiano, itaparicano por natureza e vocação, o Professor Vital é, agora, mestre em universidades dos Estados Unidos, mas nunca se esquece de seu tempos baianos, quando participou de uma série de atividades artísticas nesta soterópolis. Homem de mil instrumentos, escritor, professor, sociólogo, é, também, músico. Mas vamos ao artigo:

Capitalism: A Love Story (Capitalismo: uma história de amor) é o último documentário (2009) escrito e dirigido pelo realizador Michael Moore. O filme foi estreado recentemente na 66a Edição do Festival de Veneza em 6 de setembro de 2009 no circuito da competição oficial pelo Leão de Ouro e lançado nacionalmente em USA e Canadá no último dia 02 de Outubro.O documentário se concentra na maior crise financeira global de 2007–2009, na transição do governo de George W. Bush para o de Barack Obama e no alucinante resgate financeiro (em trilhões de dólares) de ambos presidentes para “salvar” as corporações (Goldman Sachs, Citicorp, Merrill Lynch, Bank of America) e as companhias de seguros imobiliários (AIG, Fannie Mae, Freddie Mac): as principais responsáveis pela crise econômica atual.Para isso, Michael Moore, faz um inteligente trabalho onde mostra o processo histórico que transformou a democracia no estilo Franklin Roosevelt ( com a melhor distribuição da riqueza entre os norte-americanos) na plutocracia antidemocrática do capitalismo imperial autofágico da atualidade (com a trágica destruição da classe media e trabalhadora de USA).O filme começa com seqüências que mostram a verdadeiros ladrões de bancos –filmados por câmaras de segurança em meio de um assalto armado– agarrando o dinheiro roubado enquanto a musica “Louie, Louie” e os créditos cinematográficos funcionam como contraponto à introdução do espectador no universo do crime organizado.

Estas cenas estabelecem uma abertura para a equivalência material e moral entre este roubo inicial e os sistemáticos assaltos e crimes que os titãs do capital financeiro e seus protetores políticos cometem contra o povo estadunidense e por extensão contra todos os povos das nações periféricas (Brasil incluído) que vivem sob o modelo capitalista norte-americano.

A continuação, o documentário apresenta uma inteligente montagem combinando sequencias de um filme antigo com cenas da televisão de USA na atualidade: de um lado se mostra as causas da decadência do império romano, do outro os sintomas da decadência do império americano; num caso, a superexplotação do trabalho escravo, do outro, do trabalho assalariado; de um lado, as corridas de carros, as lutas de gladiadores romanos, do outro, as lutas dos brutamontes e as corridas dos carros norte americanos.

Em poucas palavras, nessas cenas vemos como o moderno Império Americano utiliza as mesmas técnicas de entretenimento do antigo Império Romano, o denominado “panes et circenses” (pão e circo), para manipular ideologicamente, escondendo dos povos (romano e norte-americano) a verdade brutal da dominação, da exploração e da alienação social.

Adiante, o filme revela (apoiado numa rigorosa documentação visual e escrita de fatos e dados relevantes) a aliança e a agenda escondida (hidden agenda) entre os poderosos grupos financeiros, as corporações multinacionais, os congressistas e os presidentes de USA, eleitos com os milhões de dólares de contribuição dessas mesmas corporações. Como era de se esperar deste processo de corrupção, os presidentes eleitos retribuem a “generosidade” das corporações financeiras, escolhendo para ocupar os cargos de Secretários do Tesouro e de Presidentes (Chairman) da Reserva Federal, os nomes indicados por essas mesmas corporações.

Nesse processo, podemos observar como um grupo de CEOs são transformados em proprietários da política econômico-financeira da administração dos Presidentes de USA. Assim, o filme mostra os noticiários de TV onde o espectador pode observar o desfile de caras e de nomes dos mais importantes “coordenadores” entre a Presidência (desde a de Ronald Reagan até chegar à de Barak Obama) e os interesses da plutocracia norte-americana: Alan Greenspan, Donald Regan, Robert Rubin, Lawrence Summers, Henry Paulson, Timothy Geithner e Ben Bernanke são nomes onipresentes em Wall Street, no governo e na media americana.

Mas o melhor ainda está por ser visto. Michael Moore faz um conjunto de entrevistas com diversos setores da população local (membros da igreja católica, do senado americano, da bolsa de valores, das agencias imobiliárias, da classe trabalhadora e da classe media) revelando, pouco a pouco, o infame resultado do processo de acumulação, concentração e centralização do capital em USA.
O resultado é a eliminação sistemática do trabalho produtivo e dos trabalhadores ligados ao setor: uma das cenas mais impactantes é a que mostra o inicio da destruição da industria automobilística (a demolição das instalações da General Motors em Flint, Michigan) acompanhada ironicamente pela música “O Fortuna” de Carmina Burana de Carl Orff. O resultado é extremamente perturbador para o espectador.

A partir desse ponto, Michael nos mostra o que está acontecendo também do lado dos perdedores, dos arruinados por este abominável processo: o desemprego, a falta de seguro médico, a falta de ingresso para pagar as contas, o aluguel ou a hipoteca atrasada. Neste ponto, os moradores que não podem pagar suas hipotecas devolvem as suas casas, apartamentos, condomínios às corporações hipotecárias (as mesmas que foram responsáveis por suas ruínas) que as revendem no mercado de bens e raízes, colocando, por um lado, dezenas de milhares de famílias subvivendo em barracas de lona; pelo outro, uma classe de especuladores/predadores denominados “Urubus de condomínio” (Condo Vultures) que supervivem da desgraça e da carcaça alheia...

Apesar do meu impulso para seguir descrevendo as cenas trágicas e abomináveis do filme (um exemplo, os seguros de vida dos trabalhadores mortos, “Dead Peasants”, não vão parar na mãos dos seus familiares, mas ao contrario, vão parar nos bolsos dos patrões, ou seja, das multinacionais como City Bank, Bank of America, Wal-mart, etc.), prefiro não continuar na descrição, pois não quero arruinar as muitas surpresas que o documentário tem para oferecer. Ele contem também um grande conjunto de momentos cômicos, mordazes e comoventes (vi pessoas emocionadas chorando, rindo e até aplaudindo o filme na platéia) articulado a uma irônica história de amor representada pelo título, pois esta é a pergunta (Que preço pagam os estadunidenses por seu amor sado-masoquista ao capitalismo?) que o documentário trata de responder e responde, denunciando e acusando valente e brilhantemente o sistema.Como em seus filmes anteriores (Roger and me; Bowling for Columbine; Fahrenheit 9/11; SICKO) Michael Moore responde misturando a dor e a tragédia das vítimas com a comedia hilariante, incluindo fragmentos de filmes antigos, de noticiários de TV, de jornais, de documentos oficiais (reportes) do Governo e das Corporações de USA.

O documentário também mostra muitas cenas que comprovam algumas vitórias reais dos oprimidos: como quando os trabalhadores em Chicago ocupam sua fábrica para obter o pagamento que os patrões (via Bank of America) lhes devem; ou como quando um grupos de inquilinos pobres de Florida resistem coletivamente a evacuação de uma família negra da sua casa pela policia local; ou ainda, como quando um grupo de fabricas criadas pelo sistema de cooperativas de trabalhadores produzem indivíduos felizes, pois são, simultaneamente, trabalhadores e proprietários das mesmas fabricas e por isso não existe a hierarquia “normal” construída pela dominação e a opressão acostumada pela produção do lucro sobre todas as coisas.

Nessas partes, o filme sugere explicitamente que somente o amor solidário, a organização, a participação, a resistência, e a luta coletiva dos trabalhadores contra o sistema capitalista atual, serão condição suficiente para gerar um novo sujeito histórico e um novo movimento social capacitado para superar a desgraçada relação patológica a que nos subordinamos todos os dias sob o infame modo de produzir e reproduzir a sociedade atual.Por aqui paro. Só me resta recomendar aos leitores da sua coluna, aos cidadões da Bahia e do Brasil que façam o que for possível para ir a um cinema local para assistir, gozar e aprender de um dos melhores documentários que vi em USA.
Jorge Vital de Brito Moreira

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